RESUMO: O artigo
pretende ler a noção de hegemonia à luz de questões
brasileiras contemporâneas.
O ano
de 2014 ainda guarda uma surpresa: as eleições estaduais e federais de outubro.
Elas envolvem boas expectativas porque têm o potencial de reconfigurar as estratégias
partidárias locais e os rumos políticos e econômicos em torno de um novo padrão
de desenvolvimento brasileiro conforme apontou Gianetti. Outros fatores contribuem
para aquecer as expectativas quanto ao pleito de outubro: a obscena
crise moral e social do Brasil na “Copa das Copas”, a desconfiança nua que
depositamos nos representantes políticos e, enfim, os rastilhos de pólvora das Jornadas
de Junho. Além dessas evidências, vamos questionar outros dois elementos de
longa duração histórica que também estão em jogo: a hegemonia do Partido da
Social Democracia Brasileira em escala estadual em São Paulo, o maior colégio
eleitoral da federação, e a hegemonia do Partido dos Trabalhadores em nível
federal. E uma referência quando se trata de hegemonia é Antonio Gramsci.
VAI SER MARXISTA NOS 1920
Gramsci
foi um teórico italiano marxista que viveu entre 1891 e 1937. Nascido na Sardenha,
ele se mudou para Turim, uma próspera região industrial, onde se envolveu com o
Partido Socialista Italiano. Depois de conhecer o movimento operário de Paris e
Moscou, ele rompeu com as leituras que seus colegas faziam do marxismo e ajudou
a fundar o Partido Comunista Italiano enquanto publicava suas interpretações em
jornais operários. Entretanto, a sua atividade política o colocou na mira do
governo fascista de Mussolini que mandou “prender e calar esta cabeça por mais
de vinte anos”. Mesmo preso, Gramsci continuou sua atividade intelectual: além
de manter correspondências com familiares, ele também aprofundou suas interpretações
a respeito do marxismo com originalidade, conforme veremos a seguir. Gramsci
foi solto em 1937, porém veio a falecer no mesmo ano devido à tuberculose.
O CÁRCERE ENTRE GRAÇA E GRAMSCI
É
comum encontrar estudos que traçam afinidades entre as biografias de Gramsci e
a do escritor brasileiro Graciliano Ramos. Assim como Gramsci, o alagoano nascido
em 1892 também foi vítima do fascismo: ele foi encarcerado pela polícia
varguista de Filinto Müller de 1936 a 1937. O cárcere foi decisivo para a formação
intelectual de ambos escritores: eles experimentaram a dura rotina ambivalente
da disciplina prisional que, ao mesmo tempo que aumenta a força útil e
econômica dos corpos também diminui a força política dos mesmos ao acentuar o exercício
da obediência. Em outras palavras, como diria Foucault, a disciplina “dissocia
o poder do corpo, pois ela aumenta a sua aptidão enquanto reforça a sua submissão”.
UM PACTO SOCIAL GRAMSCIANO?
Dentre
as grandes questões que perturbaram Gramsci, certamente a mais traduzida no Brasil
diz respeito à integração das dimensões do trabalho com a cultura e a direção
política sob uma perspectiva revolucionária. Nesse sentido, ele considerava que
todos nós, trabalhadores de qualquer ordem, somos intelectuais dado que o
trabalho é a dimensão fundamental de reprodução da vida humana. Portanto, já
que todos os trabalhadores são capazes de reproduzir suas condições de
existência, eles também seriam capazes de produzir suas próprias condições
culturais. Sendo assim, a revolução rumo à tomada de poder deveria ser feita de
“maneira passiva” através de “processos de socialização política”, como se
pouco a pouco os trabalhadores fossem conquistando postos de lideranças
públicas dentre professores, advogados, jornalistas, funcionário públicos,
escritores, músicos e outros formadores de opinião até, enfim, a conquista da
máquina burocrática, ou seja, o Estado.
Gramsci
acreditava que ao “Oriente” (leia-se Rússia/URSS) coube uma revolução frontal,
armada e violenta através de uma “guerra de movimentos” para a tomada do Estado
como aparato de dominação porque ela ainda desconhecia a “sociedade civil”. Por
sua vez, o “Ocidente” (leia-se Itália, Alemanha e países ditos desenvolvidos no
período do Entre guerras) burocratizado pelo fordismo exigiria uma nova postura
revolucionária marcada pela tomada de posições culturais no seio de uma sociedade
de massas através de estratégias mais eficientes como a do ataque pelo “consenso”,
pela construção de uma “cultura comum aos trabalhadores” de forma que, antes
mesmo de assumir o comando da máquina administrativa (Estado), os trabalhadores
já exercessem a dominação não pela força burocrática, mas pela coerção
cultural, ou seja, pelo exercício da “hegemonia”. E os “partidos políticos”
teriam um papel fundamental na conquista dessa hegemonia, pois eles seriam uma
espécie de “príncipe
maquiavélico moderno”, ou seja, eles teriam a função de garantir a
articulação dos interesses da classe trabalhadora e o exercício da gestão
pública. Dessa forma resumida, a preocupação de Gramsci era tanto criticar aqueles
que nos idos de 1930 eram chamados de “marxistas deterministas” como também propor
uma leitura marxista adequada à sociedade industrial, burocrática e
administrativa dos chamados países de primeiro mundo.
PALAVRÓRIOS E CONSPURCAÇÕES
Feito
esse resumo, voltamos façamos às questões aos temas iniciais do artigo: que fatores
foram os responsáveis pela manutenção da hegemonia do PSDB em São Paulo? Seriam
as alianças políticas e as afinidades de interesses com as elites agroindustriais
interioranas? Eles contemplariam a constante e forte adesão da classe média aos
projetos tucanos apresentados até o presente momento? E ainda seria
possível dizer que, dentre eles, estaria a eficiência na prestação dos serviços
públicos dada a gerência privatizante que alinhava a história dessa hegemonia? Enfim,
se esses são
os fatores mais cogitados para tal hegemonia, então que propostas o Partido
da Social Democracia Brasileira tem a oferecer em 2014 frente às recentes
manifestações sociais e à crise hídrica que envolve a Cantareira?
Quanto ao Partido dos Trabalhadores, ele bate metas: arrecadou mais de R$ 50 milhões em doações nos últimos três anos e garantiu cerca de 8 mil novos filiados por mês no mesmo prazo. Em 2002, ano em que o ex-presidente Lula foi eleito, ele contava com 828 mil filiados e hoje o partido tem cerca de 1,6 milhão, ou seja, ele teve um aumento de 91% no número de filiados enquanto o aumento médio dos outros partidos foi de 36%. Resta saber como eles administrarão tamanha máquina partidária frente as desavenças internas entre Lula e Dilma pelo comando da campanha eleitoral. Além do fascínio que essa hidra partidária pode exercer sobre seus correligionários, o fundamental é saber se e o que eles ainda podem oferecer à administração do País. Antes de fechar o artigo, digo que só há uma coisa mais preocupante que o exercício dessas hegemonias: o fato de que o partido político que tem o maior número de filiados jovens é o Partido Progressista (PP), antiga ARENA. Uma nova hegemonia se anuncia?
Quanto ao Partido dos Trabalhadores, ele bate metas: arrecadou mais de R$ 50 milhões em doações nos últimos três anos e garantiu cerca de 8 mil novos filiados por mês no mesmo prazo. Em 2002, ano em que o ex-presidente Lula foi eleito, ele contava com 828 mil filiados e hoje o partido tem cerca de 1,6 milhão, ou seja, ele teve um aumento de 91% no número de filiados enquanto o aumento médio dos outros partidos foi de 36%. Resta saber como eles administrarão tamanha máquina partidária frente as desavenças internas entre Lula e Dilma pelo comando da campanha eleitoral. Além do fascínio que essa hidra partidária pode exercer sobre seus correligionários, o fundamental é saber se e o que eles ainda podem oferecer à administração do País. Antes de fechar o artigo, digo que só há uma coisa mais preocupante que o exercício dessas hegemonias: o fato de que o partido político que tem o maior número de filiados jovens é o Partido Progressista (PP), antiga ARENA. Uma nova hegemonia se anuncia?
Abraços,
Profábio.