segunda-feira, 21 de julho de 2014

Duas hegemonias e uma questão

RESUMO: O artigo pretende ler a noção de hegemonia à luz de questões brasileiras contemporâneas.

O ano de 2014 ainda guarda uma surpresa: as eleições estaduais e federais de outubro. Elas envolvem boas expectativas porque têm o potencial de reconfigurar as estratégias partidárias locais e os rumos políticos e econômicos em torno de um novo padrão de desenvolvimento brasileiro conforme apontou Gianetti. Outros fatores contribuem para aquecer as expectativas quanto ao pleito de outubro: a obscena crise moral e social do Brasil na “Copa das Copas”, a desconfiança nua que depositamos nos representantes políticos e, enfim, os rastilhos de pólvora das Jornadas de Junho. Além dessas evidências, vamos questionar outros dois elementos de longa duração histórica que também estão em jogo: a hegemonia do Partido da Social Democracia Brasileira em escala estadual em São Paulo, o maior colégio eleitoral da federação, e a hegemonia do Partido dos Trabalhadores em nível federal. E uma referência quando se trata de hegemonia é Antonio Gramsci.


VAI SER MARXISTA NOS 1920
Gramsci foi um teórico italiano marxista que viveu entre 1891 e 1937. Nascido na Sardenha, ele se mudou para Turim, uma próspera região industrial, onde se envolveu com o Partido Socialista Italiano. Depois de conhecer o movimento operário de Paris e Moscou, ele rompeu com as leituras que seus colegas faziam do marxismo e ajudou a fundar o Partido Comunista Italiano enquanto publicava suas interpretações em jornais operários. Entretanto, a sua atividade política o colocou na mira do governo fascista de Mussolini que mandou “prender e calar esta cabeça por mais de vinte anos”. Mesmo preso, Gramsci continuou sua atividade intelectual: além de manter correspondências com familiares, ele também aprofundou suas interpretações a respeito do marxismo com originalidade, conforme veremos a seguir. Gramsci foi solto em 1937, porém veio a falecer no mesmo ano devido à tuberculose.

O CÁRCERE ENTRE GRAÇA E GRAMSCI
É comum encontrar estudos que traçam afinidades entre as biografias de Gramsci e a do escritor brasileiro Graciliano Ramos. Assim como Gramsci, o alagoano nascido em 1892 também foi vítima do fascismo: ele foi encarcerado pela polícia varguista de Filinto Müller de 1936 a 1937. O cárcere foi decisivo para a formação intelectual de ambos escritores: eles experimentaram a dura rotina ambivalente da disciplina prisional que, ao mesmo tempo que aumenta a força útil e econômica dos corpos também diminui a força política dos mesmos ao acentuar o exercício da obediência. Em outras palavras, como diria Foucault, a disciplina “dissocia o poder do corpo, pois ela aumenta a sua aptidão enquanto reforça a sua submissão”.

UM PACTO SOCIAL GRAMSCIANO?
Dentre as grandes questões que perturbaram Gramsci, certamente a mais traduzida no Brasil diz respeito à integração das dimensões do trabalho com a cultura e a direção política sob uma perspectiva revolucionária. Nesse sentido, ele considerava que todos nós, trabalhadores de qualquer ordem, somos intelectuais dado que o trabalho é a dimensão fundamental de reprodução da vida humana. Portanto, já que todos os trabalhadores são capazes de reproduzir suas condições de existência, eles também seriam capazes de produzir suas próprias condições culturais. Sendo assim, a revolução rumo à tomada de poder deveria ser feita de “maneira passiva” através de “processos de socialização política”, como se pouco a pouco os trabalhadores fossem conquistando postos de lideranças públicas dentre professores, advogados, jornalistas, funcionário públicos, escritores, músicos e outros formadores de opinião até, enfim, a conquista da máquina burocrática, ou seja, o Estado.

Gramsci acreditava que ao “Oriente” (leia-se Rússia/URSS) coube uma revolução frontal, armada e violenta através de uma “guerra de movimentos” para a tomada do Estado como aparato de dominação porque ela ainda desconhecia a “sociedade civil”. Por sua vez, o “Ocidente” (leia-se Itália, Alemanha e países ditos desenvolvidos no período do Entre guerras) burocratizado pelo fordismo exigiria uma nova postura revolucionária marcada pela tomada de posições culturais no seio de uma sociedade de massas através de estratégias mais eficientes como a do ataque pelo “consenso”, pela construção de uma “cultura comum aos trabalhadores” de forma que, antes mesmo de assumir o comando da máquina administrativa (Estado), os trabalhadores já exercessem a dominação não pela força burocrática, mas pela coerção cultural, ou seja, pelo exercício da “hegemonia”. E os “partidos políticos” teriam um papel fundamental na conquista dessa hegemonia, pois eles seriam uma espécie de “príncipe maquiavélico moderno”, ou seja, eles teriam a função de garantir a articulação dos interesses da classe trabalhadora e o exercício da gestão pública. Dessa forma resumida, a preocupação de Gramsci era tanto criticar aqueles que nos idos de 1930 eram chamados de “marxistas deterministas” como também propor uma leitura marxista adequada à sociedade industrial, burocrática e administrativa dos chamados países de primeiro mundo.

PALAVRÓRIOS E CONSPURCAÇÕES
Feito esse resumo, voltamos façamos às questões aos temas iniciais do artigo: que fatores foram os responsáveis pela manutenção da hegemonia do PSDB em São Paulo? Seriam as alianças políticas e as afinidades de interesses com as elites agroindustriais interioranas? Eles contemplariam a constante e forte adesão da classe média aos projetos tucanos apresentados até o presente momento? E ainda seria possível dizer que, dentre eles, estaria a eficiência na prestação dos serviços públicos dada a gerência privatizante que alinhava a história dessa hegemonia? Enfim, se esses são os fatores mais cogitados para tal hegemonia, então que propostas o Partido da Social Democracia Brasileira tem a oferecer em 2014 frente às recentes manifestações sociais e à crise hídrica que envolve a Cantareira?



Quanto ao Partido dos Trabalhadores, ele bate metas: arrecadou mais de R$ 50 milhões em doações nos últimos três anos e garantiu cerca de 8 mil novos filiados por mês no mesmo prazo. Em 2002, ano em que o ex-presidente Lula foi eleito, ele contava com 828 mil filiados e hoje o partido tem cerca de 1,6 milhão, ou seja, ele teve um aumento de 91% no número de filiados enquanto o aumento médio dos outros partidos foi de 36%. Resta saber como eles administrarão tamanha máquina partidária frente as desavenças internas entre Lula e Dilma pelo comando da campanha eleitoral. Além do fascínio que essa hidra partidária pode exercer sobre seus correligionários, o fundamental é saber se e o que eles ainda podem oferecer à administração do País. Antes de fechar o artigo, digo que só há uma coisa mais preocupante que o exercício dessas hegemonias: o fato de que o partido político que tem o maior número de filiados jovens é o Partido Progressista (PP), antiga ARENA. Uma nova hegemonia se anuncia?

Abraços,
Profábio.