terça-feira, 17 de maio de 2016

NIETZSCHE no ENEM de 2015


Você consegue imaginar NIETZSCHE NO ENEM?! Isso mesmo, aquele cuja filosofia vem a marteladas; aquele cujo pensamento ressoa feito dinamite; um sujeito que detestava a democracia; um dos caras menos presentes nos manuais de filosofia destinados ao ensino médio. Porém, como tudo, a nossa euforia também tem limites, pois apesar de Nietzsche estar presente numa prova que destina a mais de sete milhões de jovens de um país latino-americano em desenvolvimento, o ENEM não aborda filosofia nietzschiana, mas se vale pra tratar de filosofia pré-socrática... Mas pelo menos ele está aí, né?

SABER É PODER
A sentença que abre o nosso capítulo, “saber é poder”, é uma citação do filósofo moderno Francis Bacon. E com ela, Bacon procurou sintetizar a força da ciência moderna que tratava de posicionar o ser humano não mais como criatura, mas como criador de conhecimento, de verdades e de novas naturezas que você vai chamar de técnica, tecnologia e ciência. Saber também é poder para Foucault, afinal, como bom nietzschiano, ele funda as suas categorias e os seus estudos levando em conta que todo olhar é interessado, e de que todo conhecimento implica em tensão, disputa e, portanto, em jogos de poder.
Eu digo pra você ter uma ideia da importância de um Nietzsche no ENEM: veja, em 2014 ele foi uma avaliação realizada por mais de 6 milhões de estudantes e quase 10% zeraram a redação. Já em 2015, cerca de 7,7 milhões se inscreveram, mas quase 2 milhões não foram fazer a prova.... Você percebe o retrato da educação brasileira que os números nos oferecem? E se você acha que a presença de um Nietzsche no ENEM é algo desimportante, permita-me dizer que, de acordo com o PNUD, a média de escolaridade de um brasileiro é praticamente a metade de um norte-americano: somamos cerca de 7,4 anos escolares... E agora, ficou melhor pra compreender o que significa um Nietzsche no ENEM?

SABER É NATUR
Deixemos a política de lado, e vamos à filosofia alemã. Como o nosso tempo é curto e atenção é sinônimo de interesse, eu vou direto ao ponto: em Nietzsche você encontrar uma crítica à história da filosofia. Isto é, você vai ler Nietzsche para começar, (repito: para começar) a compreender que desde Sócrates até Hegel você acreditou que, de fato, porque você é dotado naturalmente de razão, você então é capaz de agir sempre de maneira ética, justa, equilibrada, sensata, ponderada, simétrica e sincera. Ou seja, se você se deixou levar por essa conversa metafísica que o teu intelecto é capaz de vencer teus desejos e que a tua força racional sempre foi decisiva nas tuas escolhas mais nobres, é porque você sequer passou perto de Nietzsche. Nele, você é... o que você é, ou seja, essencialmente nada. Ou melhor, você é aquilo que você potencializa em tua própria natureza: se me permitem a simplificação porque o nosso tempo está acabando e outros afetos incomodam a tua razão: não existe mistério, em Nietzsche não existem virtudes inatas, e nem a tua razão é instrumento soberano em suas decisões: eu e você somos vulcões, somos impulsos e instintos em busca de satisfação. E o melhor que fazemos é tratar de emancipar e potencializar aquilo que eu e você chamamos de talento. E Nietzsche vai buscar isso na filosofia antes de Sócrates, ou seja, nos pré-socráticos, conforme a questão 34 do caderno azul do ENEM de 2015.

UM TOQUE PRÉ-SOCRÁTICO

Como você pode notar, o ENEM não exige o seu conhecimento de Nietzsche: ele é somente um pretexto para você se lembrar que a filosofia pré-socrática foi a responsável por romper com o saber mitológico ao tentar racionalizar, isto é, explicar de maneira lógica as origens físicas daquilo que os gregos chamavam de cosmos, a natureza, o mundo, o universo. Isso nos leva a “LETRA C” como correta, pois vejamos as outras alternativas:
ü  “A LETRA A” não pode ser porque grego não transforma a natureza, eles aceitam as coisas como elas são; transformar a natureza é coisa de um Descartes moderno que inventa a técnica pra suprir as faltas da natureza;
ü  A “LETRA B” não pode ser porque Nietzsche te diz que não há imaginação e, nesse contexto, quem usa metáforas é a explicação mitológica, certo?
ü  A “LETRA D”, mais uma vez, demonstra a intenção do ENEM de te fazer confundir a ciência antiga com a moderna. Lembre-se, método é técnica, e técnica é modernidade;
ü  A “LETRA E” está fora de cogitação porque você não tem que justificar o real porque ele existe; e outra, deixa esse negócio de empirismo pros ingleses modernos e outra aula nossa...

Bem, esperamos que vocês tenham conhecido melhor como o ENEM pode se valer de certos nomes para atacar outras filosofias. Fique atento aos enunciados e sejamos nietzschianos: todo conhecimento é interessado. Sendo assim, se o interesse do ENEM provar o seu conhecimento, você terá que ser mais astuto do que ele. Afinal, saber é poder.
Abraços e até a próxima!
Profábio


HOBSBAWM no ENEM de 2014


Imagino que você já ouviu dizer que o ENEM promove uma doutrinação marxista. Bem, você sabe me dizer por que dizem isso? Aliás, e quem diz isso? Seriam estudantes do norte do país? Do nordeste ou do sudeste? Uhm, sei. Agora, por outro lado, por que é difícil encontrar estudantes se queixando de que a UNESP promove uma doutrinação liberal? E só pra melhorar a conversa, e quanto à FUVEST, que tipo de “doutrinação” ela pratica?

HÁBITO É IDEOLOGIA
Vamos retomar o nosso raciocínio. Isso do ENEM praticar “doutrinação” ficou mais evidente nas redes sociais em 2015, quando a prova trouxe aquela famosa questão da Simone de Beauvoir. Bem, isso não quer dizer que somente a partir de então, ele se tornou marxista. Ao contrário, a minha experiência me diz que, na verdade, foram os hábitos e costumes dos estudantes que permitiram que eles encarassem o ENEM com um olhar um pouco mais crítico.
Oras, VEJA: na última década, o país assistiu ao crescimento da chamada da classe média; por sua vez, ela injetou grana e ânimo no mercado consumidor, fez circular mais mercadorias, mais ideias e mais diversidade religiosa, cultural e política. Bacana, né? Enquanto o efeito maré melhorou as ondas de todos, tudo vai bem. Agora, deixa o governo entrar em crise e me diz quem é a primeira a gritar: a classe média. E, já que ela não quer perder seus ganhos e conquistas, ela ataca o governo. E, dentre os estudantes, qual a maior vitrine da educação que o governo promove: o ENEM. Bom, agora é contigo: olhe pros seus colegas de sala e pra sua vizinhança e pergunte o que eles acham do conteúdo do ENEM...
Agora, faz o seguinte, dá um pulo na prova da UNESP e tente colocar em prática o mesmo raciocínio. Isso mesmo, faça uma pesquisa rápida aqui em nosso canal e tire algumas conclusões sobre a prova da UNESP... Bem, vamos lá: você encontrou algum autor de esquerda? Alguma feminista? Alguma questão sobre a condição subalterna da mulher? Algum autor negro? Alguma questão que aborda africanidade? E negritude? Ah sim, você só encontrou citações de colunistas de revistas como VEJA, ISTO É e de cientistas que questionam se “bondade” é um fator genético ou racional. E não se espante se eles disserem que, em caso de dúvida, desconfie. Quer saber, dá um pulo aí no seu google e procure saber um pouco da história da UNESP, onde ela se localiza, quem a financia e etc. Bem, vamos à questão 41 do caderno azul do ENEM de 2014

Antes de continuarmos com a nossa análise, vemos que a alternativa correta é a “LETRA B”, pois ela que demonstra como as condições econômicas determinaram novas atitudes políticas, novas formas de se fazer política.

COSTUME É POLÍTICA
 Hobsbawm é um dos maiores nomes do que é chamado de marxismo cultural. Junto com Raymond Williams e Thompson, ele manteve a New Left Review, uma importante revista fundada na década de 1950 que tratou de valorizar a cultura como modo de produção. Explico: dentre as propostas desses marxistas, estava a de compreender os hábitos, os costumes e as práticas sociais de homens e mulheres trabalhadores como formas de resistência social e de afirmação política. O importante é compreender como as tensões políticas e econômicas se expressam também através das práticas culturais. Sendo assim, nota-se que a sugestão da letra “B” como gabarito indica como as condições econômicas determinaram novas formas de se fazer política.
Abraços e até a próxima!
Profábio


MAL-ESTAR na FUVEST de 2013


Quando você der um passeio pelo século 19 europeu, você será capaz de se deparar com bondes elétricos, telégrafos, ferrovias e vaudevilles. Bacana, né? Além disso, você vai encontrar uma série de pessoas eruditas que serão chamadas de cientistas, são profissionais liberais escolados no método cartesiano: para eles, a natureza é uma questão de pesos, medidas e métricas. Pois é... Mas para lidar com a FUVEST, você terá que levar em conta que nem tudo que reluz é ciência.

POSITIVISMO É PROGRESSO?
Como você pode notar nas cenas iniciais, a academia francesa fez uma leitura positivista do corpo da chamada “Vênus Negra”, e tirou algumas conclusões antropológicas. Em primeiro lugar, eles consideraram as suas proporções humanas, depois concluíram sobre a sua condição subalterna e, enfim, catalogaram e hierarquizaram o seu conhecimento, mas em relação a um determinado padrão antropométrico: o europeu. Isto porque esses ilustres cabeças são positivistas: para eles, o chamado progresso tecnológico seria sinônimo de progresso moral. Explico melhor: um bom positivista do século 19 considera que as manifestações empíricas, materiais, concretas de um povo explica, traduz e revela as suas condições espirituais, isto é, intelectuais e morais.
Você percebe que o exercício da ciência no século 19 envolve uma luta contra a natureza: trata-se de esquadrinhar os padrões humanos em busca da maior racionalização possível. O que está em jogo é a capacidade humana de maximizar o controle sobre a própria... condição humana! Agora, façamos o seguinte, vejamos o avesso desse exercício científico: vamos a um livro de 1818. Saca só do que um positivista também seria capaz. 
Bom, você já deve ter percebido as relações que estamos a fazer. Senão, me explico melhor: o século 19 consegui mitificar o exercício da ciência. Em nome do chamado progresso, da tecnologia e da razão, a humanidade foi capaz de desenvolver artimanhas tecnológicas que perverteram as condições de vida do próprio ser humano. Fique atento ao enunciado da questão 52 da FUVEST DE 2013
Como se pode notar, a citação de Mary Shelley denuncia a crise da razão científica logo no alvorecer do século 19. E talvez seja interessante lembrar que o livro “Frankenstein” é publicado no mesmo da obra-prima de Schopenhauer, “O mundo como vontade e representação”. O que ambos têm em comum? Oras, em Schopenhauer você encontra uma filosofia que busca conciliar razão e emoção, corpo e alma, intelecto e instinto.
O que quero dizer é que você vai ler Schopenhauer para compreender que a tua razão não é senhora em sua própria casa, ela é uma mera acompanhante de uma força muito maior e impulsiva chamada Vontade. Assim como em Shelley, em Schopenhauer você também encontrará uma forte crítica a essa ideia de que somos animais racionais e, portanto, solares e autônomos.
Antes de continuarmos com a nossa análise, vemos que a alternativa correta é a “LETRA B” que demonstra a irracionalidade da própria razão ocidental positivista. Quanto às outras alternativas, vejamos:
ü  A “LETRA A” seria impossível: vestibulares não fazem apologia à guerra, eles exercem uma função humanista;
ü  A “LETRA C” vai na contramão da literatura: a igreja está fora de questão;
ü  A “LETRA D” até que se insinua para os desavisados, mas basta se lembrar que o século 19 é sinônimo de imperialismo e de darwinismo;
ü  A “LETRA E” também está fora de cogitação porque não há nada de humanista em maldizer um criador, certo?

CIÊNCIA É IRRAZÃO
 Bom, para terminar, vale lembrar que o positivismo tomou bastante porrada ao longo do século 20. Primeiro, faz o seguinte: senta pra ler o mal-estar na civilização do Freud. É um texto relativamente acessível, nada que um pouco de boa vontade não resolva. Ali você vai entender um pouco mais de como a chamada “civilização” é a extensão da barbárie por outros meios...
Abraços e até a próxima!
Profábio


1984 na UERJ de 2015


Imagine a seguinte cena: você vive em uma sociedade que te vigia constantemente. O seu país vive em guerra constante: ora contra o Leste, ora contra o Oeste. O seu governo opta, às vezes, por uma reforma ortográfica: pra que a palavra “ótimo” quando “pluribom” pode dizer a mesma coisa? Enfim, você vive aí e tem um nome ordinário qualquer, como “John Smith”. E por mais amizades que você tenha, pior pra você, afinal maior a sua desconfiança em relação a tudo e todos. A isso hoje nós damos o nome de “distopia”: o desenho de um futuro cruel e sombrio para a humanidade. O George Orwell, em 1948, nos imaginou assim em 1984.

DISTOPIA É HOJE
Bom, você já deve saber que 1984 é um livro clássico. E o que isso significa? Bem, lá eu vou citar Ítalo Calvino mais uma vez. Clássicos trazem um enxame de interpretações sobre si mesmo. Isso exige reconhecer que o valor desse livro está na capacidade que ele tem de não parar de dizer o que ele tem pra dizer. Confuso? Não, a coisa é bem simples. Hoje em dia você ainda DEVE ler 1984 porque ele diz muito sobre o nosso contemporâneo, ou seja, ele é um livro que transcende o contexto histórico no qual foi escrito. 

Já que estamos no território das interpretações, seria interessante chamar a atenção para o diálogo que 1984 estabelece com as categorias de outras áreas do saber. Vou dar um exemplo: o tal do “Big Brother”, que já foi devidamente vulgarizado como reality show, pode ser lido como um panóptico: isto é, a sua função é controlar e moderar as pessoas, certo? Sendo assim, ele é um elemento técnico fundamental para a manutenção de uma sociedade do controle: ele dissocia o “ver-do-ser-visto”, ou seja, ele adestra, disciplina e domestica de maneira quase invisível. Oras, não é justamente isso que os nossos smartphones fazem conosco? E o curioso é que o fazem com a nossa aprovação e estímulo... 
Um outro exemplo: você vai ler o livro e perceber que constantemente as notícias são reescritas, e que as chamadas mídias, ou seja, os meios de comunicação eles literalmente fabricam e manipulam os eventos e fatos históricos de modo que causa uma sensação de desorientação na população, um certo mal-estar social, afinal você nunca sabe muito bem quem é o seu inimigo ou de que lado você e sua sociedade estão... Oras, não é justamente isso que as redes sociais, de certa forma, nos provocam?
Bem, você pode achar que estou forçando a barra... Então, vamos fazer o seguinte: vamos pra questão 59 DA UERJ DE 2015 realizada no dia 08/06/2014 e depois eu justifico o meu roteiro. Como você pode notar, é uma questão acessível, e fácil para quem conhece a obra. A alternativa correta é a “letra D” porque estamos tratando de regime político, de forma de governo. Que, aliás, foi uma manifestação que ocorreu tanto no capitalismo quanto no socialismo...

TÉCNICA E BIOPODER
Pra gente fechar, eu vou retomar meu raciocínio: como eu disse, é possível traçar alguns paralelos entre o livro e nosso contemporâneo. Faz o seguinte: troca a política por tecnologia, e veja se o livro ainda funciona. Pois é, se ontem, nos anos 1950 o terror social era alimentado por um Estado forte, esse terror hoje está dissolvido entre os nossos aparatos tecnológicos: smartphones são pequenos big brothers: eles nos rastreiam em qualquer lugar. Googles, Facebooks, Amazons também podem ser lidas assim: com seus bigdatas, elas nos estimulam constantemente ao consumo, nos reduzem às bolhas de opiniões com seus algoritmos e, então, são capazes de camuflar certas condicionantes econômicas e políticas para que a gente assuma certos fatos e comportamentos como normais e naturais.
Percebe como as tecnologias podem assumir um caráter fascista? E como as mercadorias podem instrumentalizar e funcionalizar os nossos comportamentos? Mas que fique claro, o problema não é a tecnologia e a mercadoria em si mesmas, mas o “fator humano” que as modera e as controla. Como você faz pra lidar com elas? Oras, continue lendo e estudando. De preferência, os clássicos.
 Abraços e até a próxima!

Profábio

CUBA na FUVEST de 2015


De certo que você já estudou a chamada Guerra Fria. Os manuais de História costumam apresentá-la como um ‘período histórico de tensões ideológicas entre as duas maiores potências do mundo’. Elas não se enfrentaram frontalmente, mas transferiram as suas rivalidades ao hemisfério sul. Pode-se dizer que o que estava em jogo era a substituição da diplomacia tradicional pela lógica bélica: ou você é “amigo” ou você é “inimigo”. O importante não era atacar, mas garantir constantemente a ameaça do ataque. Sendo assim, algumas vidas passaram a valer menos, para que outras valessem a pena serem vividas. Como por exemplo, a dos cubanos. A Guerra Fria na FUVEST, este será o nosso tema de hoje.

A GUERRA QUENTE
Como vocês sabem, na verdade, a Guerra Fria foi uma guerra quente, pois foram inúmeros as guerras civis e crises sociais envolvidas naquelas disputas ideológicas: desde a Guerra do Vietnã, os processos de independências de Angola e Moçambique e as ditaduras latino-americanas. Bom, aqui eu vou dar a um dos arquitetos desses conflitos, o secretário de Estado dos EUA, Robert McNamara.
Se me permite, vou tentar traduzir o McNamara: de certa forma, ele está dizendo que um dos pontos fundamentais da guerra fria foi o fato desses países centrais transformarem a geopolítica num poderoso instrumento de política: o Estado-Nação forte não era aquele capaz de manter o seu povo em paz, ao contrário: ele também teria que ser capaz de promover a guerra constante contra os outros estados nacionais.
Acontece que nem todas as guerras foram bélicas, algumas foram econômicas. A exemplo do embargo econômico imposto pelos EUA à Cuba após a revolução nacionalista de 1959. Como você sabe, os Estados Unidos rompem as reações diplomáticas com a ilha em janeiro de 1961 que, por sua vez, passou a contar com o apoio ideológico e econômico da antiga União Soviética, que deu longa vida a regime autoritário.

A GUERRA QUENTE
Bom, a nossa pergunta então passa a ser a seguinte: o que resta da guerra fria? A resposta não seria fácil, nem única. Mas nós podemos dizer que se ontem, na guerra fria, a guerra era a extensão da política por outros meios, hoje a economia é a extensão da guerra por outros meios. E isto nos leva à questão 65 da prova da FUVEST realizada em 29/11/2015.


A questão exige que o candidato esteja atento às atualidades, afinal desde o famoso dia “17-D”, isto é, 17/12/14, os EUA e Cuba estão retomando seus vínculos diplomáticos, como revela a charge de maneira bastante esclarecedora. Portanto, isto nos leva à letra “D” como correta. Afinal...
ü  A “LETRA A” ainda não ocorreu, apesar da visita de Obama à ilha. O fim do embargo depende do Congresso norte-americano, e o que o Obama tem feito é criar vínculos econômicos nesta direção;
ü  A “LETRA B” não está em questão, afinal Guantánamo também envolve questões jurídicas, afinal é reserva carcerária dos EUA;
ü  A “LETRA C”... Bom, na verdade, o petróleo cubano se chama açúcar. Ou tabaco;
ü  A “LETRA E”, assim como a letra “B” envolve um problema além da diplomacia, e isto será um problema para a Srta. Clinton. Ou para o Trump.

Bom, esperamos que vocês tenham conhecido um pouco mais sobre a guerra fria e o que resta dele em nosso mundo contemporâneo. Não posso deixar de dizer que o papa Francisco teve e tem tido um papel fundamental nessa aproximação diplomática. Não à toa, ele é chamado de pontífice: “aquele que constrói pontes”, E penso que seja possível dizer que muitos cubanos têm levantado as mãos para o céu pelo papa, afinal a vida na ilha nunca foi fácil....
Abraços e até a próxima!

Profábio

SEXUALIDADE no ENEM de 2013


Me diz uma coisa: você gosta de ouvir confissões? Isto mesmo, como você reage diante de um desabafo? Ou diante de um depoimento que envolve o desnudamento, a revelação de intimidades? Você se considera uma pessoa forte o bastante para encarar um testemunho, isto é, uma narrativa que suporte um histórico pessoal forte, dramático e biográfico? E quando o assunto, então, envolve uma confissão a respeito de escolhas sexuais? Pois é, este será o tema da nossa aula de hoje no ENEM.

A ERA DO TESTEMUNHO
Antes de atacarmos a nossa questão, talvez seja interessante lembrar que o século 20 já foi reconhecido como a “Era dos testemunhos”. E dentre as razões históricas para este apelido, podemos destacar as duas grandes guerras, e as diversas guerras civis e crises humanitárias que marcaram os últimos cem anos. Por outro lado, os avanços tecnológicos também possibilitaram novas formas de registros biográficos que, aos poucos, acabaram tomando uma importante dimensão pública. Oras, os gravadores de fitas cassetes, as máquinas fotográficas, as câmeras filmadoras portáteis foram importantes instrumentos de resistência política e de luta pela afirmação da cidadania. 
Dessa forma, os historiadores passaram a ter contato com narrativas pessoais e documentos que tentavam dar conta de grandes tragédias ou de eventos traumáticos. Por exemplo: como encarar fotografias de armênios cujas famílias sobreviveram ao genocídio na primeira guerra? Ou então, como lidar com os depoimentos de pessoas que sobreviveram aos gulags, os campos soviéticos? Ou mesmo aqui, entre nós: como encarar os depoimentos de torturados pelo regime militar brasileiro? Como se vê, na verdade, pessoas e documentos como esses exigem muita sensibilidade, afinal são, antes de tudo, ruínas, provas de barbárie.

Bem, o raciocínio promovido pelo ENEM vai um pouco nessa direção, porém ele joga luz em uma dimensão bem delicada e que até hoje ficou no armário. Ops, quero dizer: uma dimensão afetiva e simbólica que viveu às sombras, às margens da “sociedade civil” até, pelo menos, maio de 1968: a sexualidade. E para compreender melhor do que se trata, vamos à questão 45 da prova azul do ENEM de 2013 

Como você pode notar, o ENEM ousou ao trazer um texto confessional de um homoafetivo de meia-idade que demonstra, através de um discurso em primeira pessoa, como a sociedade norte-americana passou a assumir a afirmação da homossexualidade no espaço público: da ilegalidade até a conquista de postos de comando. De certa forma, essa não é uma questão difícil, afinal ela pede ao candidato que reconheça os motivos, as causas de tal afirmação política. E isto nos leva à “LETRA A”, que reconhece o direito às decisões sexuais como uma questão de direito, isto é, de cidadania. Afinal, vejamos as outras alternativas:

ü  A “LETRA B” não poderia ser porque o debate é político, é público, e não religioso. E outra: somente agora, em 2013, que um papa, o Francisco, ousou dizer “quem sou eu para julgar os gays?”;
ü  A “LETRA C” não poderia ser porque o sujeito em questão é filho de “Maio de 68”, e uma geração que diz que “é proibido proibir”, conservadora não pode ser...
ü  A “LETRA D” não é porque o enunciado trata de intimidades, e não de questões partidárias;
ü  A “LETRA E”... Bom, que fique claro: aqui você até consegue mapear a postura política do ENEM ao se preocupar com minorias étnicas, certo? Mas a questão trata mesmo de sexualidade.

TESTEMUNHO É O QUE RESTA
Como se vê, o ENEM exige do candidato o reconhecimento do valor político do recorte de um discurso íntimo, afetivo e biográfico. Explico: ao trazer um testemunho de um gay em uma avaliação pública, de escala nacional, é como se a prova colocasse o estudante diante daquilo que sempre viveu à sombra e à margem, e que não pode mais ser ignorado: os gays.
Oras, ao trabalhar com o depoimento do crítico musical Alex Ross, o estudante enfrenta um discurso no qual narrador e personagem são a mesma pessoa, e que depõe, confessa e, portanto, expõe uma biografia que ilumina parte da vida pública norte-americana na segunda metade do século 20.
Bem, se você quiser saber mais sobre essas transformações sociais debatidas no ENEM, assita ao filme “Milk”, e conheça Alex Ross aqui em nossa descrição. Esperamos que vocês tenham conhecido um pouco mais do perfil político do ENEM e de suas causas políticas.
Abraços e até a próxima!

Profábio

SÉRGIO BUARQUE no ENEM de 2015


O ENEM de 2015 trouxe um clássico da sociologia brasileira: Sérgio Buarque de Holanda. Ou “o pai do Chico”, como ele mesmo costumava brincar. Sérgio Buarque foi um paulistano que se mudou para o Rio de Janeiro ainda muito jovem, por volta dos vinte anos de idade. Formado em Direito, ele viveu um período bastante interessante de nossa vida intelectual, pois travou amizade com os modernistas Oswald e Mário de Andrade, Di Cavalcanti e Jorge Amado. E foi o trabalho com editoras, jornais e revistas que o levou a passar dois anos em Berlim, onde se interessou pela obra do cientista social Max Weber.

A GERAÇÃO DE 1930
Junto com Gilberto Freyre e Caio Prado Jr, Sérgio Buarque compõe a chamada “Geração de 1930”, uma trinca de intelectuais que romperam com as explicações positivistas do século 19 que aceitava, por exemplo, as teorias de um Oliveira Viana que afirma que o sol dos trópicos comprometia o intelecto da raça brasileira...  Bem, assim “Geração de 30” promoveu novas interpretações sobre a realidade brasileira baseadas na antropologia cultural (Freyre), no marxismo (Prado) e na compreensão weberiana (Sérgio Buarque), respectivamente. Como veremos a seguir na questão 14 do caderno azul do ENEM de 2015

O nosso recorte envolve uma citação do livro “Raízes do Brasil”, publicado em 1936 logo depois que Sérgio retorna da Alemanha. Mera curiosidade: o livro inaugura a série “Documentos Brasileiros” dirigida por Gilberto Freyre dentro da editora José Olympio.

PATRIMONIALISMO É QUESTÃO DE JEITO
Logo de cara, a citação já nos dá uma pista valiosa: o fato de que a nossa sociedade brasileira é personalista e, portanto, é baseada em relações sociais frouxas. Eis aqui um momento sofisticado do pensamento weberiano, ops, buarquiano: relações sociais são aquelas que construímos fora de casa, da porta para a rua, isto é, uma vez que são públicas, elas deveriam respeitar as regras sociais que são frias e técnicas porque são coletivas, certo? O melhor exemplo disso seriam as filas, isto mesmo: qualquer fila. E como o brasileiro reage ao ver uma fila? Ele procura alguém conhecido, alguém que lhe seja familiar.... Certo? 
O recorte que nos foi proposto termina dizendo que, além de personalista, o comportamento do brasileiro tem um forte apelo emocional, afetivo e irracional e que essas qualidades debilitam, comprometem, estragam o nosso convívio social. E é aqui que eu trago o próprio Sérgio que, no capítulo sete do livro registra que a nossa cordialidade dobra até a linguística, afinal optamos pelo uso do diminutivo como uma forma nos familiarizar mais com as pessoas, de aproximá-las do coração: é o pagodeiro “Tiaguinho”, o Zeca que é “Pagodinho” e até o Vinicius que virou “o poetinha”.... 
Vamos às alternativas. A correta é a letra B, afinal
ü  A letra “A” está fora do jogo porque o patrimonialismo é uma forma de violação das regras sociais. Isto é, como se sabe, a justiça no Brasil muitas vezes tem nome, sobrenome e cor...
ü  A letra “C” é inválida porque o patrimonialismo também é conhecido como o “jeitinho” brasileiro, e isto significa que as leis privadas se sobrepõem às leis públicas;
ü  A letra “D” traz uma boa oportunidade, anotem aí: burocracia é o oposto de patrimonialismo. A burocracia pode ser lida como um conjunto de regras frias, administrativas e que servem pra organizar a vida em sociedade. Oras, o enunciado diz que o brasileiro tem mesmo é horror a isso!
ü  A letra “E”... Ah, estabilidade, né? Pergunte à Dilma.

ESTADO NÃO É FAMÍLIA
Bem, trocando em miúdos, é como se a lição de Sérgio Buarque fosse um pouco essa: o Estado e a sociedade não são uma extensão de nossas casas. Dito de outra forma, é de se pensar o Sérgio hoje em dia andando por aí e vendo que os brasileiros, ao saírem de casa, ainda dizem “e aí, parça”.... Esperamos que vocês tenham conhecido mais sobre como o ENEM valoriza este clássico do pai do Chico.
Abraços e até a próxima!
Profábio

O UTILITARISMO na UNESP de 2014

Me diz uma coisa: você se considera um estudante importante para a sua turma? É, isto mesmo: você se preocupa com o bem-estar de sua turma, de sua escola? Imagino que sim, mas por que você procura alegrar o convívio escolar e torná-lo mais agradável? Seria por que você gosta de fazer amigos simplesmente pela amizade em si mesma? Bem, você se considera uma pessoa útil porque participa da aula, porque polemiza, monta grupos de estudos e busca sempre o melhor rendimento escolar, mesmo que isto te custe algumas amizades? (FILME) Bem, esse será o nosso tema de hoje: ética na Unesp.

UTILIDADE É EFEITO
A prova de Humanas da UNESP tem o costume de flertar com uma linha de pensamento que se costuma chamar de liberal conservative, isto é, com uma tradição de pensamento liberal que busca defender a individualidade como um valor social levando em conta os seus efeitos sociais. Explico: o que importa para os liberais conservadores, digamos que é justamente a conservação da capacidade do indivíduo de se virar por conta própria, ou seja, de ele adquirir resiliência, resistência e competência para ser uma pessoa útil, produtiva e capaz de oferecer bons serviços e produtos.

E uma tradução desse raciocínio se encontra no utilitarismo, uma ética fundada pelos ingleses Jeremy Bentham e John Mill em meados do século 19. Dentre as intenções desses ingleses, estava a aliança de uma filosofia moral com uma filosofia política, ou melhor dizendo, para eles, o debate a respeito da ética e da moral deveria envolver questões empíricas, práticas, concretas.
Sendo assim, o indivíduo se torna ético se, de fato, ele traz alguma contribuição social, se ele realmente é um sujeito eficaz, ou seja, se ele sabe se valer do seu tempo e dedicação privados com a intenção de melhorar a vida dos demais.

Bem, você já deve ter percebido que a ética utilitarista, então, traz uma grande inovação histórica: o que importa não é consciência de certo ou errado ou qualquer bobagem metafísica: o que está em jogo é a finalidade de suas ações, a consequência de seus atos, ou seja, se você decide ser uma pessoa utilitarista, você está pensando em profits and benefits. Assim, a vida se torna, então, uma questão de cálculos estratégicos, conforme podemos ver na questão 57 da prova de meio de ano da UNESP de 2014
Como você pode notar, a UNESP traz a citação da revista VEJA, uma revista semanal de grande circulação nos setores médios da sociedade brasileira. E como que ecoando, reverberando o discurso da revista, a UNESP reconhece logo de cara um importante valor político: a defesa da propriedade privada. Oras, apesar das possíveis boas intenções dos ativistas pró-animais, a propriedade privada é um valor inviolável. Um segundo ponto nos interessa: diante do apelo emocional que os cães nos provocam, fica a pergunta: vocês preferem beagles ou avanço científico? Já que tudo nessa vida tem um preço, quantos snoopys custa um medicamento? E isto nos leva a LETRA A como alternativa correta, porque ela reconhece o problema ético proposto pelo enunciado. Vejamos as outras alternativas:

ü  A “LETRA B” não poderia ser porque o debate a questão é eminentemente laica;
ü  Não poderia ser a “LETRA C” porque o problema enunciado é de ordem científica e econômica.
ü  A “LETRA D” até que oferece uma mancha de óleo para aqueles que praticam uma leitura desatenta, mas o problema da propriedade já está resolvido no enunciado: depredação é crime. Agora, restam os beagles...
ü  A “LETRA E”... é o canto de sereia dos desavisados, afinal sim a questão trata dos interesses da indústria farmacêutica, porém não é só isto, envolve primeiro a sua dimensão ética;

PRAZER É O BEM GERAL
Como se vê, a questão da UNESP parece nos oferecer um dilema moral: temos a sensação de ficar entre a comoção pela defesa da vida suprema dos pelos cães – que, convenhamos, bate em cheio no peito da classe média que adora “pets” - e a escolha pela medicina, pelo avanço científico que, em teoria, geraria um bem maior.
Porém, para um bom utilitarista, isso não chega a ser um dilema e sequer um problema social: afinal, se as nossas decisões morais devem estar relacionadas com a finalidade das nossas atitudes, o que importa é ser uma pessoa útil, consequente e preocupado no bem-estar do maior número possível de pessoas.
Bom, devo dizer que a tentação aqui é grande: traduzindo, é como se os utilitaristas fossem os partidários de uma grande campanha pela vida: cada um cuida da sua, de maneira a tornar o convívio social melhor, mais tolerante e produtivo.
Abraços e até a próxima!

Profábio