terça-feira, 27 de agosto de 2013

Vozes negras ao vento: 50 anos de Luther King

Nesta quarta-feira, 28/08/2013, celebramos os cinquenta anos do histórico discurso "I have a dream", do jovem pastor protestante Martin Luther King II, realizado para 250 mil pessoas no Memorial Lincoln. O discurso, reconhecido como uma das maiores performances de oratória do século 20, foi o auge de sua liderança pacifista na defesa dos direitos civis dos negros.

AS IMAGENS DA NEGRITUDE 
Dentre os fatores que fizeram deste discurso um marco histórico estão a formação spiritual de Martin, que lhe deu uma linguagem corporal e entonações de voz singulares e evocativas capazes de estabelecer uma forte ligação emocional com a audiência. Além disso, a mistura de poesia com sermão, a determinação e a autoconfiança somadas às convicções pessoais formam um conjunto ímpar sem concorrências até os dias de hoje. Para se conhecer melhor toda a genealogia do líder Martin, desde a resistência de Rose Parks até sua trágica morte, a melhor fonte seria "Soundtrack for a Revolution", uma produção que estabelece um intenso diálogo entre os depoimentos de personalidades que conviveram com o líder pacifista e as músicas tradicionais envolvidas nas lutas pelos civil rights nos EUA. Eis aqui um clipe de primeira:


Aos 42 anos, a costureira Rose Sparks teve papel fundamental naquele cenário, pois foi presa após recusar-se a ceder o assento a um branco num ônibus em Montgomery, Alabama. Naquele ano de 1955, 60% dos negros do país viviam abaixo da linha da pobreza - hoje, o mesmo número é de negros da classe média. 

Para se ter uma ideia da natureza do segregacionismo estadunidense vigente até 1964, basta ver "Mississipi em Chamas", um filme de Alan Parker que narra a tensa investigação do FBI sobre da morte de três líderes do movimento pelos direitos civis. A cena inicial já demonstra como a territorialidade do país está pré-determinada e pré-conceituadas pelas questões morfológicas, isto é, biológicas dos seus habitantes: vemos dois bebedouros públicos: um para "white people", outro para "colored people".

MALCOM X ATRAVÉS DE SPIKE LEE
Outro grande líder negro foi Malcom Little (1925-1965), dono de uma biografia polêmica e que trocou de nome uma dezena de vezes até decidir pelo "Malcom X" - sendo o "X" um símbolo da perda seu original nome tribal - e com o qual entrou para a História. Malcom, ao contrário do pacifista Martin, não acreditava numa sociedade igualitária e no convívio harmonioso de brancos com negros. Dessa forma, as atividades de Malcom X guardavam fortes relações com os Panteras Negras, movimento negro de teor marxista. Em suma, pode-se dizer que para Malcom, o famoso bordão sessentista "power to the people" deveria ser adaptado para "power to the negros".

 Malcom X foi e ainda é uma grande referência para se compreender as obras do cineasta Spike Lee, diretor da cinebiografia deste líder negro - e que andou passeando pela Bahia recentemente tentando compreender como a "Roma Negra" pode ser governada por Jacques Wagner, um carioca, branco e judeu... Exemplo da "postura malcomiana" de Spike já poderia ser vista em seu primeiro filme "Do the Right Thing" (1989). Nele, Spike já questionava as incoerências das práticas racistas que foram assimiladas até mesmo por outros imigrantes e minorias étnicas que, esquecendo-se que eram ítalo-americanos, sino-americanos ou latino-americanos, avançam sem piedade na defesa de uma suposta cultura branca ao negarem os negros. Detalhe: todos os ídolos culturais do ítalo-americano dono da pizzaria são negros!


A CONSCIÊNCIA NEGRA NA VOZ DE UM BRANCO EX-JUDEU
Para fechar esta primeira parte do artigo, vale citar aqui uma interessante peça daquilo que nos EUA chamam de cross cultural studies: a música "Hurricane" de Bob Dylan, publicada em 1975 no disco "Desire". Dylan acompanhou o caso do ex-boxeador Rubin "Hurricane Carter que, em 1966, foi julgado e condenado por triplo homicídio num bar em New Jersey. Porém, todo o caso foi noticiado pela grande mídia que demonstrava inconsistências técnicas e jurídicas que davam margem às interpretações racistas: Carter e Artis teriam sido presos porque eram negros.

A biografia de Rubin Carter caiu nas mãos de Dylan em 1974 - época em que o velho rouco não ia muito bem em termos financeiros, nem em temos afetivos. Dylan se juntou a Jacques Levy e produziu a canção de 99 versos de quase nove minutos para denunciar a nuvem de hipocrisia que tomou conta do julgamento de Hurricane. Desta forma, desde 1970 Dylan nos mostra que a negritude também podem ressoar através de vozes brancas.

NÚMEROS AFROESTADUNIDENSES
O presidente Lyndon Johnson assinou em 1964, dez meses depois da Marcha sobre Washington, a lei que, na prática, proibiria a segregação em locais públicos e privados. E, em 1965, houve a lei de direito ao voto que garantiu definitivamente a participação eleitoral negra.

Naquele momento, apenas 4% dos negros tinham diploma superior, hoje 38% deles chegam às universidades. Foi em 1967 que a Corte Suprema invalidou as leis estaduais que proibiam o casamento interracial, enquanto, hoje, estima-se que 24% dos homens negros são casados com mulheres de outras etnias.

Quanto à Justiça, ela ainda enxerga a cor da pele: o número de presos negros é seis vezes maior que o de brancos. E, apesar da prática do canabismo ser equivalente entre jovens brancos e negros, estes têm um índice quatro vezes maior de detenção pelo uso da droga. Quanto à desagregação familiar - um tema íntimo ao narcotráfico - ela é bem maior no cenário negro, pois 72% dos bebês negros são nascidos fora do casamento, sendo que este índice gira em torno de 29% entre os brancos.

Enfim, quanto à Educação, já se tornou um infeliz senso comum estadunidense o dizer que "quando um jovem negro tem um livro em suas mãos, seus amigos dizem que ele "está se fazendo de branco'". Está claro que este é um pensamento derrotista que há de ser superado. Porém, o desafio está posto: quando a pergunta é se existe racismo nos EUA, as percepções são bem diferentes: 46% dos negros acham que existe muito racismo; quanto aos brancos, só 16% concordam com esta percepção.

UMA AFROCRONOLOGIA
Para concluir, seria interessante deixar aqui uma cronologia de fatos marcantes que envolvem as conquistas sociais dos negros estadunidenses:

1862 - Abraham Lincoln promulga a "Proclamação da Emanciapação" que declara que os escravos "são doravante livres";
1955 - Resistência pacífica de Rose Parks recusando-se a ceder lugar a um branco no Alabama;
1957 - Os "Nove de Little Rock" são impedidos de entrar em escola em Arkansas onde estavam matriculados. Para tanto, foram escoltados por tropas federais. Registrado pelas lentes de Robert Drew.
1964 - Sanção da Lei de Direitos Civis por L. Johnson que põe fim à segregação racial;
1965 - Assassinato de Malcom X com tiros;
1966 - Criação do partido Black Panthers
2008 - Em novembro, Barack Hussein Obama II é eleito o 44º presidente dos EUA, sendo o primeiro negro;

Abraços e bons estudos!
Profábio.

terça-feira, 2 de julho de 2013

sete filmes para as férias

Caros,
Apresento aqui uma seleção de filmes que, em maior ou menor nível, envolvem conceitos e conhecimentos das áreas de Sociologia e Filosofia exigidos nos vestibulares. Dentre os critérios para esta seleção, levo em conta as forças contemporâneas dos filmes e a disponibilidade no Utube. Então, vamos ao que interessa:

01. "Memórias do Saque", 2004.
Este é para compreender melhor o "#vemprarua" brasileiro. O clássico do Fernando Solanas traça uma genealogia do "panelaço argentino" que abriu o século 21 latino-americano denunciando a crueldade das políticas neoliberais que nos foi imposta. Sim, el cacerolazo argentino tem muito que nos ensinar em termos de organização, método e linguagem política.
Palavras-chave: América-latina; democracia; representação política; movimentos sociais;


02. "Tsotsi", 2005
Tsoti é uma produção sulafricana de Gavin Hood, um realizador consequente e antenado com as linguagens digitais contemporâneas, tanto é assim que vemos "Cidade de Deus (Brasil, 2002) neste filme. Aliás, vemos mais: o determinismo geográfico, o fatalismo social e as eficientes, porém fatais linguagens do tráfico envolvendo a vida de Tsotsi, o "filho das townships". Este é um filme para se ver e se lembrar de Nelson Mandela.
Palavras-chave: África do Sul; Nelson Mandela; townships; apartheid; violência e livre arbítrio; 


03. "Nove Rainhas", 2000
Para quem gosta de ação ( e do Ricardo Darín), eis aqui um excelente filme. Já para quem curte pensadores da linhagem de Maquiavel, Hobbes e Foucault, nem se fale. Este roteiro é um marco no "Novo Cinema Latino-Americano". Como podemos ver, a expectativa é a mãe da audiência. Além disso, natureza e sociedade são realmente coisas distintas?
Palavras-chave: individualismo; poder; micropoder; metapoder; fatalismo; ação social;  



04. "Estrada para Guantánamo", 2006
O pós-imperialismo estadunidense hoje toma a pauta mundial devido às práticas de monitoramento internacional. Soberania, autonomia e diplomacia são termos difusos para a política dos EUA. Então, reitero aqui a dica que sempre faço em sala de aula: vejam este filme. O diretor inglês Michael Winterbottom é mestre em transitar entre ficção e documentário em seus filmes. Nesse "Estrada..." vemos e damos nome aos meios e formas de pós-imperialismo dos EUA que, mais tarde, fundamentam outra obra-prima de Hollywood, "A hora mais escura" (2012). Que tal um diálogo com o "homo sacer" de Agamben?
Palavras-chave: pós-imperalismo; soberania; diplomacia; ONU; tortura; direitos civis; homo sacer;


05. "A Opinião Pública", 1964
"Este é o segundo filme do Arnaldo Jabor. Sim, aquele comentarista da Globo e do Estadão um dia já foi cineasta. Vieram os milicos e ele sumiu do país junto com uma corja de jovens baderneiros antipatrióticos. Melhor assim, porque o Médici achou é pouco disto e quis e fez mais aos que optaram por ficar em Pindorama..." Se vocês pensam que o trecho acima soa conservador, então vejam este filme que investiga o imaginário da classe média brasileira sob o calor do Golpe de 1964. Um filme indispensável para quem ainda pensa que ser brasileiro é ser "bacana, gente fina, liberal e progressista". 
Palavras-chave: golpe militar; revolução social; homem cordial; classe média; mídia e informação; autoimagem;


06. "Uma noite em 67", 2010
Levando em conta a reta final que enfrentaremos a partir deste agosto rumo ao ENEM, nos é fundamental dar um pulo no documentarismo brasileiro afim de música! Sendo assim, segue aqui um excelente filme que lança luzes às imagens fundantes da chamada "música popular brasileira", especialmente, a partir do Festival da Música de 1967. O maior mérito do filme  está em pesquisar, organizar e sistematizar as imagens do acervo musical deste momento que, dizem por aí, foi responsável pelas origens da Tropicália. Ou não, como diria o Caetano.
Palavras-chave: mpb; tropicália; televisão; indústria cultural; cultura afrobrasileira; 



07. "A música segundo Tom Jobim", 2012
O mais novo filme do grande Nelson Pereira dos Santos, decerto o cineasta mais reverente em atuação. O filme dispensa apresentações, já que título diz tudo. Este é para se perguntar por que esta música popular brasileira não é popular no brasil.
Palavras-chave: mpb; bossa nova; jazz; televisão; indústria cultural; cultura afrobrasileira; 


É isto,
Abraços e ótimas férias!
Profábio.

terça-feira, 25 de junho de 2013

a rua em chamas

Após meses exilado do blog devido a outros intensos compromissos profissionais, eu voltarei aos poucos. E na companhia de Bertold Brecht:

"Do rio que tudo arrasta diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas as margens que o comprimem".
B. Brecht


sábado, 9 de março de 2013

garrafa ao mar, impasse em terra firme



Eis o trailer da produção franco-israelense "Uma Garrafa no Mar de Gaza" estreada no Festival Varilux em 2012. O filme é uma adaptação do livro homônimo. O filme, como qualquer site de cinefilia informa, trata da relação entre dois jovens: Tal, uma jovem francesa  judia recém estabelecida em Israel e Naim, um palestino ligado à causa terrorista pelas tensões do cotidiano.

A franco-israelense Tal lança uma garrafa ao mar com seu email e um pedido de contato, ela deseja conhecer alguém do outro lado do muro. E Naim acolhe a garrafa. A partir de então, acompanhamos esta relação virtual entre ambos. Mas, se num primeiro momento Naim estabelece contato por mera curiosidade, este sentimento se transforma em assimilação ao longo da relação afetiva do casal 'israelo-palestino'.

SPOILER E CONTRAINFORMAÇÃO
Daqui pra frente, este texto avança com o filme. Tal é uma garota curiosa, porém corajosa o suficiente para enfrentar seu maior medo, o imaginário de um jihadista, isto é, um terrorista, um homem-bomba. E se tem coragem para enfrentar este medo, ela só o enfrenta de maneira figurada, simbólica, através das letras e do mundo virtual, e não fisicamente. Desta forma, não seria válido questionar as pretensões humanistas do filme, posto que, ao sugerir uma possível solidariedade para aqueles jovens, eles ainda continuam sendo diferentes e exclusivos?

A personagem Tal é uma contrainformante, uma ativista. Temos que levar em consideração que sua família certamente estaria ali entre os eleitores de Netanyahu, e que seu irmão é um 'S.E.A.L. israelense'. Lá pelas tantas, quando Tal parece estar afetivamente envolvida com Naim, ela questiona o irmão e pergunta pra ele se ele realmente mata palestinos. A resposta é evasiva, já que sua "guerra é limpa", ou seja, mediada pelo monitor de seu caça que torna os palestinos invisíveis. Então, em se tratando de guerra, e por extensão, de dominação,  não seria adequado perguntar por que motivos o filme insiste no progressivo letramento em francês do palestino Naim em suas incursões no Centro de Cultura Francesa?

Por sua vez, Naim também é um contrainformante, um palestino sapiens sapiens. Ele destoa dos seus pares e está à frente deles porque pensa, porque tem sentimentos, enfim, porque se humaniza diante das doces mensagens da garota franco-israelense. Além disso, ele frequenta os raros cafés caros que mantém acesso à net. Por estes motivos, ele é um traidor:  demasiado humano, ele pensa como um ocupante - que é como os palestinos classificam os israelenses. Então, não seria legítimo perguntar se a constante transformação do figurino de Naim - de um pobre palestino sujo a um sujeito urbano barbeado de camisa polo e calças íntegras - é a significativa entrada e aceitação deste ex-estranho no mundo da civilização eurocêntrica?

ASSIMILAÇÃO, ASSEMBLAGE E CANIBALISMO
Foi um jornalista húngaro, Theodor Herzl, o responsável pela invenção do nacionalismo sionista. O sionismo  foi fundado no fim do século 19 com apoio de associações filantrópicas que ajudaram a construir a ideia da superioridade do westjude, o judeu ocidental nativo da Europa Central. Indo além, Oppenheimer aprofundou esta ideologia nacional sionista com a publicação de seu artigo "Consciência de Origem e Consciência de Povo" em que declarava:


" Para os ostjude (judeus orientais, aqueles do Leste Europeu), o sionismo é uma questão de sobrevivência. Eles não podem dar-se ao luxo de abusar de seus colegas ocidentais, de cuja inteligência e capitais necessitam. A Palestina é basicamente um paraíso para os judeus oprimidos do Leste, enquanto que os sionistas ocidentais são bons patriotas de seus países natais".

Porém, esta distinção entre "judeus ocidentais superiores" e "judeus orientais inferiores" cai por terra no período do Entre-Guerras com o avanço do antissemitismo. Daí o sionismo desenvolve a prática da assimilação que trata de naturalizar aquelas diferenças internas próprias do povo judeu a fim de ganhar apoio diplomático internacional e força emocional para a causa judaica. Assimilar torna-se sinônimo de politizar a causa judaica, de pintar com cores sionistas a defesa de um Estado Nacional judeu. Israel.

O filme "Uma Garrafa no Mar de Gaza" é um exemplo de propaganda assimilacionista pelas perguntas expostas aqui. Não, o filme não é um filme humanista. Ele faz pose de humanista ao fazer uma jovem garota  lançar uma garrafa ao mar, um raso clichê artístico. Mas quem encontra a garrafa não será humanizado, pelo contrário, passará por aquilo que a crítica artística francesa chama de assemblage ou bricolage: sobre a personagem palestina de Naim são adaptados, colados e costurados valores, comportamentos, roupas e letras eurocêntricos que gradativamente borram seus valores étnicos, culturais e sociais nativos. Assim, Naim continua solto por aí, nem tanto à terra, nem tanto ao mar. Jamais o mesmo palestino, porém nunca um europeu.

PS: Fosse em Pindorama, a garotinha Tal já estaria falando tupi, andando descalça e comendo pacovás deitada em rede. Porque aqui, escreveu e leu o Macunaíma comeu.

Abraços!
Fábio

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

a geração "i griega"

CONEXÃO BRASIL-CUBA

Nesta semana, a blogueira cubana Yoani Sanchez pisa em solo brasileiro após mais de cinco anos de tentativas frustadas de sair da ilha dos Castros. Ela faz parte da chamada "geração y" ou, como se diz em espanhol, a geração "i griega". Assim são conhecidas as pessoas nascidas nos anos sessenta e setenta na ilha porque (dicen por las calles) seus pais, que viviam intensamente o ethos da Guerra Fria, gostariam de homenagear a grande União Soviética atribuindo nomes 'soviéticos' aos seus filhos. Então,  houve uma leva de Yuris, Yoanis, Neisys e Katyushas pelos quatro cantos caribenhos da ilha. Hoje em dia, aquela generación y é a mesma que compõem outra geração, a dos colaboradores: funcionários públicos enviados para trabalhar Venezuela e que, após um ano de trabajo solidário retornam para a ilha carregados de eletrodomésticos sofisticados, cd's e dvd's - piratas.

KATYUSHA & KATYUSHAS
Katyusha foi um nome quente no imaginário soviético por dois motivos. Primeiro porque se trata de uma canção composta às vésperas da 2º Guerra e que retrata uma jovem e leal camponesa que aguarda o retorno de seu amado enviado ao front. Juventude, lealdade e esperança que personificaram o nacionalismo soviético na canção que foi símbolo da resistência ao nazismo durante a Guerra. Segundo porque Katyusha também foi o nome dado ao carro de guerra que comportava o lançamento de quatro foguetes sendo 4,5tons de explosivos a 5Km de distância. O som de lançamento dos foguetes era conhecido como "o piano de Stalin" durante a Guerra. Por ambos motivos, "Katyusha" se tornou um souvenir símbolo de patriotismo e resistência civil.

BLOG E CIBERATIVISMO
Ok, pode ser exagero dizer que Yoani Sánchez é uma ciberativista, no sentido "assangiano" do termo. Entretanto, o uso do termo é válido para quem consegue manter um blog por mais de cinco anos em um país onde a internet chega a custar U$12/ hora em lofts de hoteis para um médico U$20 mensais. E para um professor cuja rende é de U$ 14 mensais.

A PERESTROIKA DE YOANI
Uma vez aqui, isto é, fora da ilha, será que Yoani retorna? Não seria o seu flanar cosmopolita um 'katyusha às avessas'? Um katyusha que reverberá em cheio nas mentes e corações dos cubanos que têm "fe", ou seja, "família no exterior"?




E caso optasse por ficar por aqui, imaginem se o governo brasileiro fizesse com Yoani o mesmo que fez com os boxeadores cubanos que pediram asilo político ao Brasil em 2007 e que foram constrangiados e colocados num avião venezuelano e remetidos de volta àquela longeva ditadura latino-americana?

Por outro lado, o fato é que ao retornar à Cuba, ela retorna como um exemplo de liderança política feminina  para uma população de alta octanagem patriarcal . Ela retorna como uma líder política capaz de aglutinar vozes dissidentes de diferentes setores sociais rumo à perestroika cubana.

Que Yoani sê bem-vinda!
Abraços!
Fábio

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

pequeno príncipe, grande império

"(...) Não passo a teus olhos de uma raposa igual a cem mil outras raposas. Mas, se tu me cativas, nós teremos necessidade um do outro. Serás para mim único no mundo. E eu serei para ti única no mundo (...)"

Há 70 anos, ao se refugiar da 2º Guerra Mundial em Nova York, o piloto e escritor francês Antoine de Saint-Exupéry escreveu aquela que foi sua obra-prima "O Pequeno Príncipe" e que compõe a lista dos livros mais vendidos em mais de 200 edições mundo afora. Para além da média humana, estes setenta anos foram generosos com o "Pequeno Príncipe" posto que há unanimidades e consensos em torno da obra desde os célebres existencialistas que nela viram um ser bem acabado que "não somente existe, mas que se define" até a atualíssima advogada Juliana Cavalcante, 22, que afirmou a importância da obra em sua biografia rumo ao título de Miss Brasil 2012.




“Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos.”



Mas além de o livro ser  "uma parábola em forma de conto que coloca em xeque o ponto de vista racional dos adultos" - conforme afirma a biografia disponível no "uol educação" - também pode ser lida como uma das expressões mais sutis e eficientes de imperialismo, a saber o eurocentrismo. Vejamos: ok, o livro é uma "parábola" e como toda parábola ele encerra lições de moralismo, ou seja, traz em si funções doutrinárias como o narcisismo e o auto-questionamento que levou aquelas cabeças existencialistas da primeira metade do século 20 a verem no livro um exemplo de postura de enfrentamento ético e conduta  moderna frente à tecnicização do mundo à época.

Ainda, diz a biografia que "seus romances (...) transmitem uma filosofia de vida que pretende melhorar as relações entre as pessoas, mediante a utilização ética da técnica, além de exaltar a amizade e a fraternidade, que conduzirão até o auto sacrifício, se necessário". Primeiro, é de se perguntar quem domina a técnica no enredo no livro? Por extensão, quem a domina na década de 1940 quando ele foi lançado: os alemães e seus canhões? O Eixo? Os Aliados que foram lenientes com o avanço nazista num primeiro momento para depois combatê-lo? Seriam os países francófonos do Sahel que ofereceram corpos, mulheres, mantimentos e paisagens para a 2º Grande Guerra? Segundo, se lemos ali intenções de auto sacrifício, então como parábola ela traduz valores cristãos. Nada contra, nem mesmo a favor se não avançarmos no entrincheiramento do território afetivo da obra.

Afirmar que o livro "coloca em xeque o ponto de vista racional dos adultos" é discutível porque, se assim o faz, é para de maneira bastante racional e sistemática afirmar a hegemonia branca europeia sobre o hemisfério sul personalizado no livro como o baobá, tradicional símbolo africano, totem no qual orbita o imaginário das culturas populares africanas.


"O solo do planeta estava infestado. E um baobá, se a gente custa a descobri-lo, nunca mais se livra dele. (...) o planeta é pequeno e os baobás numerosos, o planeta acaba rachando. Meninos! Cuidado com os baobás!"

Eis o ponto da questão: existe aqui uma falsa lógica, um sofisma: porque o planeta é pequeno, devemos emular e participar afetivamente do desenraizamento dos baobás. Isto porque, como bem defendia o poeta brasileiro Diógenes da Cunha, os baobás são símbolos de ancestralidade africana, são os hotéis de lendas, causos e folclores africanos. Além disso, está entre as maiores árvores do mundo, sendo milenário abrigo de uma vasta  biodiversidade. Não bastasse isso, ele também - como já apontava o folclorista Câmara Cascudo e o incansável Prof. Waldman/ USP não cessa de dizer em suas aulas sensacionais - é a própria materialização de uma das parábolas mais contundentes sobre modéstia e generosidade:

"Sendo belo, forte e vigoroso, o baobá vivia pela floresta a se gabar de sua vaidade irritando as outras árvores. Os deuses bem que o avisaram e pediram que parassem com todo este egoísmo, caso contrário seria punido. E não deu outra: depois de tanto avisar, o baobá sofreu uma terrível punição: foi virado de cabeça para baixo. E hoje, o que vemos, são suas raízes."

Esta é a lenda em torno do baobá, árvore mítica e sagrada, que simboliza as heranças orais de diversos povos africanos, que encarna o imaginário e a força vital dos griots e que resiste ao tempo pela sua beleza e grandeza.

"Aqueles que passam por nós não vão sós, não nos deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós."

Enfim, nos parece que seria possível ler o pequeno príncipe, na verdade, como exercício de um grande império. O livro feito parábola enseja valores humanistas à revelia do respeito pelas diferenças. Sendo mais literal, talvez se assim o faz é pelo viés da defesa dos valores humanistas brancos, europeus e belicistas, posto que grande parte da obra de A.S.E é marcada pela sua atividade profissional. Além disso, quando A.S.E. afirma que "o essencial é invisível aos olhos", talvez queira nos dizer, assim como Hegel, que a África não deve constar na História posto que não é civilizada. Ou então, sendo ainda mais literal, talvez A.S.E até mesmo considere uma história para este continente, mas desde que seja personalizada como baobás "terríveis", feito peste que "infesta", árvores dignas de um cuidado às avessas.

*

Se a pergunta é "qual a atualidade que há nisto tudo", perguntemos à África francófona - isto é, ao Mali, Burquina Faso, Argélia, Costa do Marfim, Senegal, Mauritânia, Marrocos, Tunísia, Togo, Camarões, Gabão, Guiné Equatorial, Chade, Níger, República Centro-Africana etc - e aos seus mais de 350 milhões de falantes: qual parábola eles preferem?

Abraços!
Fábio

domingo, 13 de janeiro de 2013

nixon no século vinte e um

Uma breve biografia
Nesta semana passada foi lembrado o centenário de nascimento de Richard Milhous Nixon. O "Presidente de Watergate" ou o "Falcão do Vietnã" se formou em Direito, serviu a Marinha e participou de missões no Pacífico Sul na 2º Guerra. Republicano, venceu sua primeira eleição em 1946 e em 1950 chega ao Senado.


O Falcão Nixon
Em 1960, Nixon disputa a presidência com o John Fitzgerald Kennedy sob o calor comunista da Frente de Libertação Nacional sobre o sul do Vietnã. Nixon perde as eleições para o carismático JFK numa campanha marcada por debates televisionados que geram um novo tipo de cidadão, o telespectador político. Quanto a JFK, ele fica para um próximo post.

Nixon volta à cena política vitorioso nas eleições presidenciais de 1968 e para ser reeleito em novembro 1972, desta vez para colocar um ponto final à Guerra do Vietnã. Apesar da reeleição, certamente o nome de Nixon não figura nas recorrentes listas de "Top Ten American Presidents", pois embora historicamente tenha sido um bom governo, ele foi maculado pelo "Caso Watergate".

O governo republicano de Nixon foi também ao mesmo tempo moderno, democrata e trágico. Pôs fim ao conflito no Vietnã que liquidava 300 ianques por dia e acabou com o serviço militar obrigatório. Anticomunista, estabeleceu relações diplomáticas com a China (o PCC que o agradeça pelo seu imperialismo contemporâneo) e com isto estimulou a 'détente' com a URSS aprovando parcerias em programas espaciais como o Apollo-Soyuz. Considerado antissemita pela opinião pública, fez do literalmente assombroso Henry Kissinger o homem forte de seu governo. Mesmo sendo republicano, criou a Agência de Proteção ao Ambiente (ouviram, Bushólatras?). Além disso, foi Nixon quem implantou o Plano Filadélfia (1969), marco sociopolítico daquelas que são consideradas as  primeiras leis de ação afirmativa que trataram de amenizar a segregação racial no mercado de trabalho . Enfim, o próprio Noam Chomsky chegou a afirmar que Nixon, hoje em dia, seria um defensor inveterado da causa verde.

Words, Swords and Watergate
Em 1651, o anglicano Thomas Hobbes, sob o calor da  Guerra Civil Inglesa, publicou sua obra-prima política o “Leviatã”. Dentre outras coisas, nela afirmava que ao soberano cabe usar o poder da espada quando o poder da palavra não tiver mais eficácia. Disto resultou a famosa sentença "swords vs words" que, quando traduzida em bom português tropical, refere-se à ética coronel-clientelista do "manda-quem-pode-obedece-quem-tem-juízo".

Em junho de 1972, cinco homens foram presos nos escritórios do Partido Democrata no condomínio Watergate em Washington tentando colocar escutas telefônicas. Aquele era o ano eleitoral que deu à reeleição a Nixon. Porém, ela foi conquistada à moda neohobbesiana, posto que após dois anos de investigação, a imprensa revelou que Nixon sabia da invasão de Watergate e agiu para encobrir os crimes políticos. Isto é, apesar da alta aprovação política e da larga vantagem nas eleições, Nixon não resistiu à tentação e irmanou-se com atos escusos a fim de garantir a continuação de sua governabilidade. Aliás, "governabilidade" foi um termo desenvolvido pela casta do homo politicus brasiliensis no início do século vinte e um sob o calor do Mensalão, o nosso Watergate.

Depois disso, a Câmara aprovou aprovou artigo que permitia seu impeachment, mas foi em 08 de agosto de 1972 que Richard Nixon se tornou o primeiro -e, por enquanto o único - presidente a renunciar ao cargo.

Nixon em Hollywood
Dentre os filmes que tratam do tema, temos:
"Nixon", 1995 de Oliver Stone que aborda a biografia de Richard à moda stoniana: a vida feita de polêmicas e contradições.
#Frost/ Nixon", 2009 de Ron Howard que trata da famosa entrevista de Nixon ao jornalista britânico Frost três anos após a renúncia;
#"A Conversação", 1974 de Francis Coppola que trata de espionagem, política  e traição numa alusão ao caso Watergate.

Abraços!
Fábio

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

as femens e suas sementes


"Slut Walk": Eis o nome de um movimento social contemporâneo que tem reverberado cada vez mais mundo afora. O nome ganhou força "a contrapelo", isto é, após uma série de abusos e assédios sexuais em meados de abril de 2011 na Universidade de Toronto, certo policial afirmou publicamente que eles não ocorreriam "caso as mulheres não se vestissem como 'sluts', ou seja, vadias". Daí para as ruas, e do Canadá para o mundo foi um átimo de  tempo. Desde então, o movimento social tem ganhado adeptas, repercussão e vigor desde São Paulo até a Ucrânia onde, talvez, esteja o 'núcleo-duro' sob o comando da a organização Femen.

Quando notamos a política do movimento, vemos que sua causa é múltipla, assim como suas reivindicações são multidirecionais: o fim do machismo, a luta pelo aborto, a defesa da autodeterminação e da autodefinição, a reavaliação dos códigos morais como a defesa do homossexualismo e dos padrões estéticos através da negação das roupas dentre outras coisas.

O importante aqui, ao meu ver, é uma certa atualização do imaginário de 'maio de 68', daquilo que ele apresentou de lúdico, de intenso e de potencial transformador. Portanto, vamos por partes:

1º - Do lúdico: ambos movimentos, tanto o "maio de 68" quanto o "abril de 2011" trouxeram o corpo à tona, literalmente deram corporeidade à luz social, pois foi nos 1960 que os corpos femininos serviram de dispositivos políticos e ideológicos para questionar os valores familiares e patriarcais quebrando a hegemonia das tradições envolvidas no "pater familias". Da mesma forma, nota-se hoje em dia que não é o verbo, não é a palavra e não basta o "cogito ergo sum" (deu pra ti, Descartes!) para se fazer valer na política: ela se faz com imagens, com pernas pintadas a batom, com os colos coloridos a rabisco (vide Q03 do Caderno Azul do caderno azul do ENEM 2011), com os seios à mostra e com o ventre em evidência.

2º - Da intensidade: foi notável a importância das contradições da guerra fria  na integração de diferentes demandas em jogo nos anos 60, a saber, a das mulheres (emancipar-se do homem), a dos jovens (emancipar-se do pai) e a de uma classe média cansada (emancipar-se da dupla Nixon-Vietnã). Tudo isto potencializou e fundiu os diferentes protestos sociais em uma grande Marcha rumo a Washington em 1963. De certa maneira, as "Slut Walks" se esforçam em evocar tais feitos e efeitos, porém através de diferentes demandas. E isto nos leva ao terceiro ponto.

3º - Do potencial transformador: o que desejam as slut walks? E como desejam o que desejam? Como elas pensam em conquistar o carisma, a simpatia da opinião pública? Elas estão preocupadas com esta opinião desde que é pública, portanto quiçá machista? Como conciliar exigências de direitos sociais e políticos ligados aos gêneros e à sexualidade com tamanha exposição, vulnerabilidade e corpolatria? Aliás, elas consideram-se expostas e corpólatras? Ainda antes: é possível levantar juízos de valor como estes frente às muitas e difusas formas de opressão masculinas vigentes no cotidiano de forma cega, surda e muda? Quantas indianas mais seriam necessárias para conferir volume à pluralidade de vozes femininas que vivem omissas em si mesmas? Ou ainda, quantas legislações como a maria da penha são necessárias para uma sociedade feita de jair bolsonaros?

*

A título de conclusão, registro aqui uma questão que caracteriza a prova de Humanas da popularmente conhecida "Prova do Barro Branco":


A "Prova do Barro Branco" seleciona os candidatos para a Academia do Barro Branco visando à  formação de oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo. (gabarito: "C")

Abraços,
Fábio

domingo, 6 de janeiro de 2013

Lura, Sara e Kiwanuka na minha rádio


Para começar este novo blog, optei pela música africana que marcou o meu dia a dia neste recesso de transição de dois mil doze para o treze. A referência que posto aqui é um infográfico publicado pela FOLHA em meados de outubro/ 2012. O panorama oferecido é bem interessante porque procura localizar as principais performances do continente. O Mulatu Astake com sua sonoridade introspectiva; o multi-instrumentista Fela Kuti (peça-chave nesta seara transatlântica contemporânea posto que, além de músico, foi um grande agitador político contra a opressão eurocêntrica) que afirmava que "subia ao palco não só para cantar, mas para também falar/ protestar". E haja fôlego entre suas composições de dezenas de minutos!

Além disso, vemos aí algumas vozes femininas que reverberam um metiê clássico, no bom sentido. Aliás, 'clássico' é o sentido que as 'divas' afroamericanas imprimiram ao blues e ao jazz definindo estes estilos com seus scats, improvisos vocais e seus lirismos sonoros graduados por diferentes doses etílicas. Percebe-se, então, aqui entre elas, que a África prática uma 'contra-diáspora', ou seja, são as artistas africanas que recorrem às suas pares lá na América do Norte em busca de elementos que chancelem suas originalidades em busca de mercado.

Ainda recomendaria artistas como "Lura", "Sara Tavares" e "Michael Kiwanuka". Estes são frutos das "biografias diaspóricas" típicas deste mondocontemporâneo. Isto é, tanto Lura quanto Sara são portuguesas, mas têm ascendência caboverdiana, sendo assim, aposto um bom corte de tecido africano com quem me der uma definição convincente de seus sons! Originais, suas sonoridades escapam de obviedades e nos remetem pra lá nos mil e quinhentos quando estas mesmas ilhas serviram como referência diplomática internacional para o tal Tratado de Tordesilhas. Já o inglês Kiwanuka é filho de ugandenses exilados de Idi Amin Dada - sim o próprio retratado no filme "O Último Rei da Escócia".

São 'biografias diaspóricas' porque suas trajetórias pessoais e musicais atravessam tanto as fronteiras nacionais, geográficas quanto estéticas. As vidas "luso-caboverdianas" delas e a vida "anglo-ugandense" dele nos exigem leituras de diferentes realidades históricas, assim como suas músicas nos remetem para diferentes direções: seja rumo aos lamentos do blues, aos nuances jazzísticos e às texturas telúricas de suas áfricas, estamos todos envolvidos num intenso jogo dinâmico entre estas memórias afetivas.

Abraços!
Fábio