Me diz uma
coisa: vamos imaginar que você ganhou uma grana a mais de mesada e decide sair
com seus amigos para celebrar a vitória no vestibular num rodízio de pizza.
Você toparia se aventurar num novo lugar indicado pelas redes sociais ou você
optaria por voltar aquele mesmo rodízio onde você sabe que a variedade é
grande, a pizza farta e o atendimento é de primeira? Eu? Bem, quanto a mim, eu não pensaria duas vezes e deixaria o meu hábito falar
mais alto: eu não trocaria a familiaridade com uma pizza por uma aventura
qualquer. É que hoje ando meio lockeano. ‘Bora pra UNICAMP de 2015?
HÁBITO É UMA SEGUNDA PELE
Hoje vamos dar um pulo na UNICAMP para
tratar de teoria do conhecimento. Como você sabe, nós já fizemos isso algumas
vezes e alertamos vocês que “epistemologia” é um tema bastante comum nos
vestibulares. Dito de outra forma, é como se existissem alguns grandes eixos
temáticos como “teoria política”, “ética” e a “teoria do conhecimento”. E pra
dialogar com o nosso tema de hoje, nós sugerimos o filme “O Enigma de Kaspar
Hauser”, de 1974, uma obra-prima do alemão Werner Herzog inspirada em fatos.
O filme se
passa no século 19 e vai te mostrar o caso real de um homem que passou toda a
sua infância e juventude isolado do convívio social. Até que ele é deixado
junto de um bilhete numa comunidade e, então, algumas pessoas o acolhem e tentam
ajudá-lo a desenvolver linguagens e a se adaptar as convenções sociais. E aqui
surgem as nossas questões, digamos, mais técnicas: de que forma eu e vocês
produzimos conhecimentos? De que maneiras nós fabricamos uma visão de mundo, elaboramos
conceitos e linguagens?
Digamos que
questões como essas estavam em pauta ao longo da chamada Revolução Científica
do século 17 quando duas escolas rivais trataram de encontrar argumentos
lógicos para o funcionamento da consciência humana: o racionalismo francês
cartesiano e o empirismo britânico de Locke e Hume.
Aqui você tem
que se lembra que, naquele momento, a conquista da América já estava
consolidada o suficiente para a inteligência europeia considerar que,
supostamente, haveria uma distância entre um estado de natureza humana
“selvagem e bárbaro” e uma condição social “culta e civilizada”.
Essa
distância entre uma suposta “natureza” e uma “cultura” você chamar de educação,
tal como os iluministas fizeram. E esse será o tema da questão 50 da
UNICAMP de 2015. ‘Bora ler o enunciado?
Você se
lembra que “filosofia” é um tema bastante enxuto na UNICAMP e aqui ela vai
direto ao ponto e te dá as melhores condições possíveis para você acertar na
mosca: o recorte da citação lockeana é preciso e diz com todas palavras que a
preocupação é sobre como produzimos conhecimento a partir das condições
empíricas, isto é, concretas, materiais. Ou seja, ao contrário dos
racionalistas cartesianos que valorizavam a cognição dedutiva a partir de uma
distinção entre corpo e mente, os empiristas reconhecem que, sim, o corpo pensa:
ele oferece sensações e impressões que serão selecionadas, organizadas e
administradas pela razão para compor abstrações como conceitos, categorias e
ideias. Vamos às alternativas que, convenhamos, não contém mistérios:
A LETRA A responde a questão porque se
para os racionalistas neoplatônicos a virtudes/ ideias nos são inatas, para os
empiristas neoaristotélicos é o potencial que nos é inato;
A LETRA B até que pode se sugerir ao
erro, pois ao reconhecer que o empirismo é ceticismo ela acerta, afinal toda
atitude científica é cética ao assumir uma postura de desconfiança diante da
aparência do mundo. Mas a conclusão é errada, pois sim, é possível obter
conhecimento, oras...
A LETRA C está fora de cogitação:
lembre-se, de maneira bastante cruelmente resumida, você tem duas matrizes
filosóficas desde a antiguidade: ou somos platônicos e valorizamos a primazia
das ideias essenciais sobre a matéria ou somos aristotélicos e valorizamos a
primazia da realidade empírica, material sobre o nosso potencial cognitivo e
intelectual.
A LETRA D também está fora de
cogitação, oras: uma coisa inata é uma coisa imanente, inerente,
transcendental, metafísica e que está contida em nós desde o nascimento porque
sempre esteve por aí tal como os números na natureza...
COSTUME É INTELIGÊNCIA
E se por
acaso você ainda tem dúvidas em relação à força do empirismo, me responde a
seguinte pergunta: você costuma se sentar no mesmo lugar em sua sala de aula?
Claro que se é porque você tem mapa de sala, aí, meu velho, o medo da punição
fala mais alto. Mas esse não for o seu caso e você realmente acreditar que você
repete essa operação cotidiana “espontaneamente”, acho melhor você rever os
seus conceitos.
Veja, é bem
provável que se alguém se sentar em seu lugar, você vai ficar furioso, não é? É
nesse momento que o seu conatus, a sua necessidade de adaptação, o seu instinto
de preservação da espécie, fala mais alto que a sua razão: afinal, você não
deixar que ninguém comprometa o seu trabalho, a sua dedicação e eficiência nos
estudos, certo?
Abraços e
até a próxima!
Profábio