terça-feira, 17 de maio de 2016

SEXUALIDADE no ENEM de 2013


Me diz uma coisa: você gosta de ouvir confissões? Isto mesmo, como você reage diante de um desabafo? Ou diante de um depoimento que envolve o desnudamento, a revelação de intimidades? Você se considera uma pessoa forte o bastante para encarar um testemunho, isto é, uma narrativa que suporte um histórico pessoal forte, dramático e biográfico? E quando o assunto, então, envolve uma confissão a respeito de escolhas sexuais? Pois é, este será o tema da nossa aula de hoje no ENEM.

A ERA DO TESTEMUNHO
Antes de atacarmos a nossa questão, talvez seja interessante lembrar que o século 20 já foi reconhecido como a “Era dos testemunhos”. E dentre as razões históricas para este apelido, podemos destacar as duas grandes guerras, e as diversas guerras civis e crises humanitárias que marcaram os últimos cem anos. Por outro lado, os avanços tecnológicos também possibilitaram novas formas de registros biográficos que, aos poucos, acabaram tomando uma importante dimensão pública. Oras, os gravadores de fitas cassetes, as máquinas fotográficas, as câmeras filmadoras portáteis foram importantes instrumentos de resistência política e de luta pela afirmação da cidadania. 
Dessa forma, os historiadores passaram a ter contato com narrativas pessoais e documentos que tentavam dar conta de grandes tragédias ou de eventos traumáticos. Por exemplo: como encarar fotografias de armênios cujas famílias sobreviveram ao genocídio na primeira guerra? Ou então, como lidar com os depoimentos de pessoas que sobreviveram aos gulags, os campos soviéticos? Ou mesmo aqui, entre nós: como encarar os depoimentos de torturados pelo regime militar brasileiro? Como se vê, na verdade, pessoas e documentos como esses exigem muita sensibilidade, afinal são, antes de tudo, ruínas, provas de barbárie.

Bem, o raciocínio promovido pelo ENEM vai um pouco nessa direção, porém ele joga luz em uma dimensão bem delicada e que até hoje ficou no armário. Ops, quero dizer: uma dimensão afetiva e simbólica que viveu às sombras, às margens da “sociedade civil” até, pelo menos, maio de 1968: a sexualidade. E para compreender melhor do que se trata, vamos à questão 45 da prova azul do ENEM de 2013 

Como você pode notar, o ENEM ousou ao trazer um texto confessional de um homoafetivo de meia-idade que demonstra, através de um discurso em primeira pessoa, como a sociedade norte-americana passou a assumir a afirmação da homossexualidade no espaço público: da ilegalidade até a conquista de postos de comando. De certa forma, essa não é uma questão difícil, afinal ela pede ao candidato que reconheça os motivos, as causas de tal afirmação política. E isto nos leva à “LETRA A”, que reconhece o direito às decisões sexuais como uma questão de direito, isto é, de cidadania. Afinal, vejamos as outras alternativas:

ü  A “LETRA B” não poderia ser porque o debate é político, é público, e não religioso. E outra: somente agora, em 2013, que um papa, o Francisco, ousou dizer “quem sou eu para julgar os gays?”;
ü  A “LETRA C” não poderia ser porque o sujeito em questão é filho de “Maio de 68”, e uma geração que diz que “é proibido proibir”, conservadora não pode ser...
ü  A “LETRA D” não é porque o enunciado trata de intimidades, e não de questões partidárias;
ü  A “LETRA E”... Bom, que fique claro: aqui você até consegue mapear a postura política do ENEM ao se preocupar com minorias étnicas, certo? Mas a questão trata mesmo de sexualidade.

TESTEMUNHO É O QUE RESTA
Como se vê, o ENEM exige do candidato o reconhecimento do valor político do recorte de um discurso íntimo, afetivo e biográfico. Explico: ao trazer um testemunho de um gay em uma avaliação pública, de escala nacional, é como se a prova colocasse o estudante diante daquilo que sempre viveu à sombra e à margem, e que não pode mais ser ignorado: os gays.
Oras, ao trabalhar com o depoimento do crítico musical Alex Ross, o estudante enfrenta um discurso no qual narrador e personagem são a mesma pessoa, e que depõe, confessa e, portanto, expõe uma biografia que ilumina parte da vida pública norte-americana na segunda metade do século 20.
Bem, se você quiser saber mais sobre essas transformações sociais debatidas no ENEM, assita ao filme “Milk”, e conheça Alex Ross aqui em nossa descrição. Esperamos que vocês tenham conhecido um pouco mais do perfil político do ENEM e de suas causas políticas.
Abraços e até a próxima!

Profábio

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