Me diz uma
coisa: você gosta de ouvir confissões? Isto mesmo, como você reage diante de um
desabafo? Ou diante de um depoimento que envolve o desnudamento, a revelação de
intimidades? Você se considera uma pessoa forte o bastante para encarar um
testemunho, isto é, uma narrativa que suporte um histórico pessoal forte,
dramático e biográfico? E quando o assunto, então,
envolve uma confissão a respeito de escolhas sexuais? Pois é, este será o tema
da nossa aula de hoje no ENEM.
A ERA DO TESTEMUNHO
Antes de
atacarmos a nossa questão, talvez seja interessante lembrar que o século 20 já
foi reconhecido como a “Era dos testemunhos”. E dentre as razões históricas para
este apelido, podemos destacar as duas grandes guerras, e as diversas guerras
civis e crises humanitárias que marcaram os últimos cem anos. Por outro lado,
os avanços tecnológicos também possibilitaram novas formas de registros
biográficos que, aos poucos, acabaram tomando uma importante dimensão pública.
Oras, os gravadores de fitas cassetes, as máquinas fotográficas, as câmeras
filmadoras portáteis foram importantes instrumentos de resistência política e
de luta pela afirmação da cidadania.
Dessa forma, os historiadores passaram
a ter contato com narrativas pessoais e documentos que tentavam dar conta de
grandes tragédias ou de eventos traumáticos. Por exemplo: como encarar
fotografias de armênios cujas famílias sobreviveram ao genocídio na primeira
guerra? Ou então, como lidar com os depoimentos de pessoas que sobreviveram aos
gulags, os campos soviéticos? Ou mesmo aqui, entre nós: como encarar os
depoimentos de torturados pelo regime militar brasileiro? Como se vê, na
verdade, pessoas e documentos como esses exigem muita sensibilidade, afinal
são, antes de tudo, ruínas, provas de barbárie.
Bem, o
raciocínio promovido pelo ENEM vai um pouco nessa direção, porém ele joga luz
em uma dimensão bem delicada e que até hoje ficou no armário. Ops, quero dizer:
uma dimensão afetiva e simbólica que viveu às sombras, às margens da “sociedade
civil” até, pelo menos, maio de 1968: a sexualidade. E para compreender melhor
do que se trata, vamos à questão
45 da prova azul do ENEM de 2013.
Como você
pode notar, o ENEM ousou ao trazer um texto confessional de um homoafetivo de
meia-idade que demonstra, através de um discurso em primeira pessoa, como a
sociedade norte-americana passou a assumir a afirmação da homossexualidade no
espaço público: da ilegalidade até a conquista de postos de comando. De certa
forma, essa não é uma questão difícil, afinal ela pede ao candidato que
reconheça os motivos, as causas de tal afirmação política. E isto nos leva à “LETRA
A”, que reconhece o direito às decisões sexuais como uma questão de
direito, isto é, de cidadania. Afinal, vejamos as outras alternativas:
ü A “LETRA B” não poderia ser porque o
debate é político, é público, e não religioso. E outra: somente agora, em 2013,
que um papa, o Francisco, ousou dizer “quem sou eu para julgar os gays?”;
ü A “LETRA C” não poderia ser porque o
sujeito em questão é filho de “Maio de 68”, e uma geração que diz que “é
proibido proibir”, conservadora não pode ser...
ü A “LETRA D” não é porque o enunciado
trata de intimidades, e não de questões partidárias;
ü A “LETRA E”... Bom, que fique claro: aqui
você até consegue mapear a postura política do ENEM ao se preocupar com
minorias étnicas, certo? Mas a questão trata mesmo de sexualidade.
TESTEMUNHO É O QUE RESTA
Como se vê,
o ENEM exige do candidato o reconhecimento do valor político do recorte de um
discurso íntimo, afetivo e biográfico. Explico: ao trazer um testemunho de um
gay em uma avaliação pública, de escala nacional, é como se a prova colocasse o
estudante diante daquilo que sempre viveu à sombra e à margem, e que não pode
mais ser ignorado: os gays.
Oras, ao trabalhar
com o depoimento do crítico musical Alex
Ross, o estudante enfrenta um discurso no qual narrador e personagem são a
mesma pessoa, e que depõe, confessa e, portanto, expõe uma biografia que ilumina
parte da vida pública norte-americana na segunda metade do século 20.
Bem, se você
quiser saber mais sobre essas transformações sociais debatidas no ENEM, assita
ao filme “Milk”, e conheça Alex Ross aqui em nossa descrição. Esperamos que
vocês tenham conhecido um pouco mais do perfil político do ENEM e de suas
causas políticas.
Abraços e
até a próxima!
Profábio
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