VESTIBULAR É IDEOLOGIA
“A
ideologia é uma expressão política das tensões econômicas”. Para um bom
marxista, todos os objetos e produtos de nossa sociedade de consumo expressam os
jogos de poder nos quais estamos envolvidos. Em outras palavras, “ideologia” é
um conjunto de valores e princípios que estão embutidos em nossas relações
sociais.
Se é assim,
como ficam os vestibulares? Eles também promovem ideologias? Sendo concursos
públicos, eles deveriam zelar por aquilo que chamamos de “imparcialidade”? E se
estão “carregados” de ideologia, seria possível detectá-las através da análise
de suas questões? Adiante, vamos tentar tirar conclusões sobre o perfil da UNESP
a partir da questão 58 de 17/11/2013.
DISCURSO É PODER
Para começar, vamos
levar em consideração uma grande conquista dos estudos linguísticos ao longo do
século 20: a língua não é um instrumento neutro. Isto é, toda vez que falamos
alguma coisa, nós desempacotamos um conjunto de valores, referências,
princípios, significados e sentidos que dizem muito não só sobre nós, mas
também sobre as nossas experiências sociais.
Dessa forma, à medida que conversamos também criamos entre nós um campo
discursivo, uma tensa zona de conflito porque nunca é possível ter certeza se
as pessoas efetivamente entendem o que falamos: quando endereçamos, isto é,
direcionamos os nossos discursos, a sua recepção e compreensão também depende
do repertório, das experiências pessoais, enfim da bagagem do colega que nos
escuta. Por exemplo, eu que já ouvi muitas vezes “ah, mas os estudantes
dizem que você fala muito difícil, Fábio”. Ao que respondo “pois é, eu sou
professor de Filosofia.” // Disso sempre resulta um des-entedimento pedagógico
PONDÉ E A
INDIVIDUALIDADE
Agora, deixando
minhas confissões de lado, pense nas tensões que ocorrem no campo da chamada
“opinião pública”: para alguns, é importante advogar que “homossexualidade” é
algo distinto de “homoafetividade”. Para muitos, a vida é uma luta na
determinação de que dizer “afrodescendente” é algo mais afirmativo e categórico
do que dizer “negro”. Por sua vez, existem aqueles que sequer se preocupam com isso, afinal
pra eles só há uma verdade: “não há almoço grátis”. Portanto, pra quê perder
tempo com discussões semânticas quando o que importa mesmo é ser economicamente
viável, né? Agora, os nossos problemas começam quando o
Estado decide entrar em cena para arbitrar essa riqueza que é a polifonia discursiva,
vejamos:
Como se vê, o que
Pondé chama de “totalitarismo do bem” também pode ser chamado de politicamente
correto, um termo que ganhou força no EUA dos anos 1980 e que estamos
conhecendo há pouco tempo. A alternativa correta é a “LETRA D” que demonstra
como a mão nada invisível do Estado pode comprometer a autonomia individual
quando se trata de dizer, por exemplo, o que deve ser debatido ou não nas salas
de aulas das escolas públicas ou se realmente existe a chamada “cura gay” ou
não...
E
voltando a pergunta original: a UNESP sempre trará questões como essas? Sim, em
sua prova de Humanas. E como lidar com isso? Bem, eu poderia deixá-los com Chomsky, que afirma
que defender a liberdade de expressão implica em sempre defender a liberdade dos
outros dizerem aquilo que você não tem coragem de dizer, ou mesmo de não quer ouvir.
Abraços fortes!
Profábio
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