domingo, 13 de março de 2016

O "PC" na UNESP de 2014

VESTIBULAR É IDEOLOGIA
“A ideologia é uma expressão política das tensões econômicas”. Para um bom marxista, todos os objetos e produtos de nossa sociedade de consumo expressam os jogos de poder nos quais estamos envolvidos. Em outras palavras, “ideologia” é um conjunto de valores e princípios que estão embutidos em nossas relações sociais.
 Se é assim, como ficam os vestibulares? Eles também promovem ideologias? Sendo concursos públicos, eles deveriam zelar por aquilo que chamamos de “imparcialidade”? E se estão “carregados” de ideologia, seria possível detectá-las através da análise de suas questões? Adiante, vamos tentar tirar conclusões sobre o perfil da UNESP a partir da questão 58 de 17/11/2013.

DISCURSO É PODER
Para começar, vamos levar em consideração uma grande conquista dos estudos linguísticos ao longo do século 20: a língua não é um instrumento neutro. Isto é, toda vez que falamos alguma coisa, nós desempacotamos um conjunto de valores, referências, princípios, significados e sentidos que dizem muito não só sobre nós, mas também sobre as nossas experiências sociais.
              Dessa forma, à medida que conversamos também criamos entre nós um campo discursivo, uma tensa zona de conflito porque nunca é possível ter certeza se as pessoas efetivamente entendem o que falamos: quando endereçamos, isto é, direcionamos os nossos discursos, a sua recepção e compreensão também depende do repertório, das experiências pessoais, enfim da bagagem do colega que nos escuta. Por exemplo, eu que já ouvi muitas vezes “ah, mas os estudantes dizem que você fala muito difícil, Fábio”. Ao que respondo “pois é, eu sou professor de Filosofia.” // Disso sempre resulta um des-entedimento pedagógico
PONDÉ E A INDIVIDUALIDADE
            Agora, deixando minhas confissões de lado, pense nas tensões que ocorrem no campo da chamada “opinião pública”: para alguns, é importante advogar que “homossexualidade” é algo distinto de “homoafetividade”. Para muitos, a vida é uma luta na determinação de que dizer “afrodescendente” é algo mais afirmativo e categórico do que dizer “negro”. Por sua vez, existem aqueles que sequer se preocupam com isso, afinal pra eles só há uma verdade: “não há almoço grátis”. Portanto, pra quê perder tempo com discussões semânticas quando o que importa mesmo é ser economicamente viável, né? Agora, os nossos problemas começam quando o Estado decide entrar em cena para arbitrar essa riqueza que é a polifonia discursiva, vejamos:

Como se vê, o que Pondé chama de “totalitarismo do bem” também pode ser chamado de politicamente correto, um termo que ganhou força no EUA dos anos 1980 e que estamos conhecendo há pouco tempo. A alternativa correta é a “LETRA D” que demonstra como a mão nada invisível do Estado pode comprometer a autonomia individual quando se trata de dizer, por exemplo, o que deve ser debatido ou não nas salas de aulas das escolas públicas ou se realmente existe a chamada “cura gay” ou não...
 Enfim, a citação de Pondé ataca diretamente a presença do Estado no reino da opinião pública: na perspectiva liberal proposta pela questão, o PC é uma forma de “patrulhamento ideológico”, isto é, de “higienização de hábitos e costumes”. Sendo assim ao defender um Estado mínimo, o autor também defende a possibilidade de cada um de nós errarmos por nossa própria conta e risco. E quanto mais capazes forem as pessoas de assumir essa responsabilidade, melhor a será a sociedade para todos, afinal cada um tomará conta de sua própria vida, certo?
 E voltando a pergunta original: a UNESP sempre trará questões como essas? Sim, em sua prova de Humanas. E como lidar com isso? Bem, eu poderia deixá-los com Chomsky, que afirma que defender a liberdade de expressão implica em sempre defender a liberdade dos outros dizerem aquilo que você não tem coragem de dizer, ou mesmo de não quer ouvir.
Abraços fortes!
Profábio

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